terça-feira, 25 de outubro de 2011

Escravidão

MELLO, José Guimarães. Negros e escravos na antigüidade.
p. 28
(...)
Sabemos que uma das maiores fontes de escravos, em toda a Antiguidade, são as guerras. Povos inteiros podiam ser escravizados
p. 29
por outros que, muitas vezes, dizimavam seus vencidos, sacrificando crianças, mulheres e velhos, utilizando-se somente dos homens fortes e sadios que eram transformados em mão-de-obra nas edificações e, como soldados, na conquista de outros povos. Mais tarde, passaram os vencedores a aproveitar também as jovens que eram leiloadas ou vendidas por encomendas, como escravas, a reis e príncipes estrangeiros. No correr dos tempos, aprenderam que executar prisioneiros não era mais o melhor negócio. (...) O método de conquistar nações, submetê-las à escravidão, era praticado não só pelas grandes nações como pelas pequenas cidades. Tanto para umas como para outras, havia um código de leis que regulamentava a venda dos cativos.

P. 78
(...)
Apesar de o estabelecimento da Monarquia dar a impressão de que a organização social e política se opusesse ao trabalho escravo uma vez que, com o governo monárquico, toda a população se dividiu em castas, sendo que a última delas era dedicada exclusivamente aos trabalhos manuais, poder-se-ia acreditar que todas as necessidades do país estivesses satisfeitas, sem se recorrer à escravidão. Mas esta, certamente a precedeu.
Documentos da V dinastia do Reino Antigo ou, mais precisamente, do faraó Neferirikaré-Kakay (2446-2426 aC) já faziam referências a corvéias.176 O texto é um decreto real dirigido ao Sumo- Sacerdote Hemur, proibindo que os sacerdotes fossem escravizados sob qualquer pretexto, - ou seja, que fossem recrutados para os trabalhos da corvéia real – e, ao mesmo tempo, propondo sanções devidas ao caso. Citaremos apenas trechos de alguns documentos: Não permito que homem algum tenha o direito de tirar quaisquer sacerdotes que estiverem no Distrito em que tu estás, para a corvéia ou para qualquer (outro) trabalho do Distrito, exceto para
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prestar serviço ao próprio deus no tempo em que ele está e para conservar os templos em que eles estiverem. Eles estão isentos por toda a eternidade por decreto do Rei do Alto e Baixo Egito: Neferirikare. Ninguém está autorizado a usá-lo em qualquer (outro) seniço ... Qualquer funcionário ou íntimo do rei ou encarregado da agricultura que contrariar estas coisas que decretei será [removido] e entregue ao tribunal de justiça, enquanto a casa, os campos, as pessoas, e qualquer outra coisa em seu poder, serão confiscados, sendo ele designado para qualquer corvéia. A pessoa Real estava presente quando foi selado. Segundo mês da terceira estação, dia 11. 177

Olympe de Gouge

Sob a acusação de “ter querido ser um homem de Estado e ter esquecido as virtudes próprias de seu sexo”, Olympe de Gouges foi guilhotinada em 1793.
www.oab-sc.org.br/institucional/artigos/27982.htm


TOSCANO, Moema, GOLDENBERG, Mirian. A revolução das mulheres: um balanço do feminismo no Brasil. Revan, 1992.
http://books.google.com.br/books?id=WHO2AAAAIAAJ&q=acusa%C3%A7%C3%A3o+homem+virtudes+pr%C3%B3prias+de+seu+sexo+olympe+Gouges&dq=acusa%C3%A7%C3%A3o+homem+virtudes+pr%C3%B3prias+de+seu+sexo+olympe+Gouges&hl=pt-BR&ei=c9GkToX-Jom4tgfk99yuBQ&sa=X&oi=book_result&ct=result&resnum=1&ved=0CC0Q6AEwAA
p. 18
Atendendo a uma petição de Robespierre, Olympe de Gouges foi guilhotinada no dia 7 de novembro de 1793, sob a acusação de ter querido ser homem e ter esquecido as virtudes próprias a seu sexo. Além dela, há registro de pelo menos outras 374 execuções de mulheres, no período do Terror. Embora essa primeira fase do movimento de mulheres, na França, seja historicamente lembrada a partir de uma liderança feminina combativa e persistente, é justo acentuar que tal combatividade foi muito estimulada por intelectuais de ambos os sexos, bem como pela população feminina dos centros urbanos maiores. Não foi, portanto, um movimento desligado dos pleitos políticos mais globais, do conjunto da sociedade, que acontecesse apenas por conta do vanguardismo de algumas feministas avant la lettre. (...)

RAEPER, William e SMITH, Linda. Introdução ao estudo das idéias: Religião e filosofia no passado e no presente. 2 ed. São Paulo: Loyola, 2001.
http://books.google.com.br/books?id=geyaKshZ6zkC&pg=PA212&dq=revolu%C3%A7%C3%A3o+francesa+feminista+guilhotina&hl=pt-BR&ei=f5WjTsnhJ8aBtgeb9airBQ&sa=X&oi=book_result&ct=book-preview-link&resnum=6&ved=0CFAQuwUwBQ#v=onepage&q&f=false

P. 212
“Depois da Declaração dos Direitos do Homem na França, Olympe de Guge publicou em 1789 a “Declaração dos Direitos da Mulher”. A escola francesa do racionalismo teve forte influência sobre a questão dos direitos da mulher. A filosofia da Ilustração acentuou o ambiente e a educação além e acima de quaisquer diferenças percebidas entre os sexos. Foram negadas qualidades inatas aos seres humanos. Olympe de Gouge foi para a guilhotina como rebelde. Contudo, a filosofia iluminista da razão, do direito natural e da igualdade de direitos foi expressa claramente em Em Defesa dos Direitos da Mulher, de Mary Wollstonecraft; publicado em 1792, foi uma das primeiras manifestações feministas inglesas.
Mary Wollstonecraft afirmava que, se fossem dados à mulher os direitos e oportunidades do homem, e se fossem libertadas da dependência econômica, metade dos recursos humanos do mundo seria libertada e a perfectibilidade da humanidade (doutrina da qual Wollstonecraft acreditava) ficaria mais próxima.

CIRIZA, Alejandra. Passado e presente: o dilema de Wollstonecraft como herança teórica e política in VITA, Álvaro de. BORON, Atílio A. (orgs.). Teoria e Filosofia política: a recuperação dos clássicos no debate latino-americano. São Paulo: EDUSP, Buenos Aires: Clacso, 2004.

http://books.google.com.br/books?id=f2mzHQrSbboC&pg=PA227&dq=revolu%C3%A7%C3%A3o+francesa+feminista+guilhotina&hl=pt-BR&ei=f5WjTsnhJ8aBtgeb9airBQ&sa=X&oi=book_result&ct=book-preview-link&resnum=5&ved=0CEsQuwUwBA#v=onepage&q=revolu%C3%A7%C3%A3o%20francesa%20feminista%20guilhotina&f=true
P. 227
No entanto, a debacle havia começado antes: a morte de Marat, pelas mãos de Charlotte Corday, o clube de Républicaines Révolutionnaires que patrulhavam as ruas de Paris, a posição de Olympe com relação ao guilhotinamento de Luis, não tardaram a tornar impopular a causa das mulheres. A revolução se impregnava de imagens de horror e destruição. As mulheres haviam ingressado no espaço público durante a revolução, mas não eram cidadãs. Como indicou Elizabeth Roudinesco, as mulheres foram assimiladas à "figura extrema do crime, da desordem e do instinto... são as portadoras de uma violência mortífera... tratadas como loucas enquanto tomam parte da vida pública” (Roudinesco, 1989, p. 134). Imagem terrível de paixões desatadas, as citoyennes, pouco menos que fúrias míticas, foram as depositárias do temor da revolução. Suas ações, provavelmente extremas (o que não é em tempo de revolução) contribuíram, para levantar a resistência masculina. Os temores rousseaunianos encarnavam-se perigosamente. O feminismo iluminista ia cedendo passo a um feminismo popular e guerreiro, cujos nomes emblemáticos eram de Pauline León e Claire Lacombe, vinculadas aos enragés. Em clima tumultuoso em que o antifeminismo crescia, foi guilhotinada Olympe enquanto Théroigne se retirava da cena pública, e iniciava seu caminho à loucura, vítima do ataque de um grupo de tricoteuses, a perseguição antigirondina levava à guilhotina Brissot, e em 8 de novembro de 1793 a Mme. Roland. A França aniquilou sem pausa seu próprio movimento feminista.

VER DEMOCRACIA E JUSTIÇA P. 77

WINTER, Rachel. Mensageiras da ressurreição
http://books.google.com.br/books?id=_rWbRHxOw6QC&pg=PA220&dq=revolu%C3%A7%C3%A3o+francesa+feminista+guilhotina&hl=pt-BR&ei=f5WjTsnhJ8aBtgeb9airBQ&sa=X&oi=book_result&ct=book-preview-link&resnum=3&ved=0CEAQuwUwAg#v=onepage&q=revolu%C3%A7%C3%A3o%20francesa%20feminista%20guilhotina&f=true
p. 220
(...) Quem não se comunica não existe socialmente, motivo que tem levado a mulher a viver como pária na sociedade e à margem da História. A partir do século 18, porém, as mulheres começaram a protestar contra essa ordem de coisas. O movimento feminista surgido na França, na época da Revolução Francesa, registra a audácia e a coragem das primeiras mulheres engajadas na luta, as quais pagaram um alto preço por reivindicarem seus direitos como cidadãs. Olympe de Gouges, uma das vozes mais clamorosas, foi logo silenciada. Condenada à morte, foi levada à guilhotina, e sua Declaração dos Direitos da Mulher e da Cidadã, rechaçada. Contudo, as feministas e os historiadores consideram o documento um dos mais representativos, entre os escritos do mesmo teor. As feministas foram anatematizadas pela sociedade, perseguidas e ridicularizadas. Hubertine Auclert foi considerada “afligida por loucura ou histeria, uma doença que a fazia considerar os homens como seus iguais”,115 segundo relatório da polícia francesa de 1880. Madeleine Pelletier, foi perseguida e aprisionada em um manicômio onde permaneceu até o fim de seus dias, em pleno século vinte.


MILAN, Betty. O século. Rio de Janeiro: Record, 1999.
http://books.google.com.br/books?id=eEk1nUzfzYMC&pg=PA107&dq=Olympe+de+Gouges+%22revolu%C3%A7%C3%A3o+francesa%22&hl=pt-BR&ei=T5KkTvy3MZO4tgfByq2YBQ&sa=X&oi=book_result&ct=book-preview-link&resnum=9&ved=0CFgQuwUwCA#v=onepage&q=Olympe%20de%20Gouges%20%22revolu%C3%A7%C3%A3o%20francesa%22&f=false
p. 107
Olympe de Gouges, autora, durante a Revolução Francesa, de uma Declaração dos Direitos da Mulher e da Cidadã, já tinha proclamado: "Se as mulheres têm direito à guilhotina, elas também têm direito à tribuna.” Olympe de Gouges foi guilhotinada por ter tomado a palavra, e as mulheres soviéticas, que nunca chegaram ao Soviete Supremo, não deixaram de ser enviadas para o Gulag. Nessa área, como em todas as outras, a retórica igualitária comunista deu
p. 108
lugar a realidades em que a reivindicação humana é esmagada pelo rolo compressor do Estado totalitário. Às vezes, no entanto, o interesse do Estado coincidiu com o interesse das mulheres, como no domínio da contracepção e do aborto. Mas não foi para liberar as mulheres que esta política foi praticada na China, claro, e ela não agradou à maioria das chinesas. Cada país tem a sua particularidade. É difícil comparar as coreanas do norte, as cubanas e as polonesas, por exemplo. O fato é que a derrocada dos comunismos e a transição para sociedades mais democráticas não parecem facilitar a emancipação das mulheres que, nos países totalitários, estão, em geral, atrasadas em relação às democracias ocidentais. A situação das russas é, aliás, particularmente eloquente. Sob as ruínas do comunismo, elas hoje estão desempregadas e se prostituindo. Triste, não é?
Guerra entre os sexos nos Estados Unidos
— Por que o feminismo americano parece tão agressivo aos estrangeiros?
(continua...)

BRABO, Tânia Sueli Antonelli Marcelino. Gênero e poder local. São Paulo: Humanitas, 2008.
http://books.google.com.br/books?id=TUiQqS43FdAC&pg=PA35&dq=Olympe+de+Gouges+%22revolu%C3%A7%C3%A3o+francesa%22&hl=pt-BR&ei=T5KkTvy3MZO4tgfByq2YBQ&sa=X&oi=book_result&ct=book-preview-link&resnum=6&ved=0CEkQuwUwBQ#v=onepage&q=Olympe%20de%20Gouges%20%22revolu%C3%A7%C3%A3o%20francesa%22&f=false
p. 35
(...)
De acordo com Dallari (1998, p. 11), foi com a Revolução Francesa que nasceu a moderna concepção de cidadania, objetivando a eliminação de privilégios mas "[...] pouco depois, foi utilizada exatamente para garantir a superioridade de novos privilegiados". Além disso, possibilitou um amplo debate acerca da relação entre representantes e representados que reproduziu o princípio da diferença entre os sexos, negando às mulheres os direitos políticos de cidadãs. Nesse contexto, Olympe de Gouges escreve a Declaração dos Direitos das Mulheres, que evidencia a organização das mulheres para reivindicar sua cidadania. Segundo os valores dos revolucionários, a cidadania política era incompatível com as características do sexo feminino. Assim, a Revolução fundou outra ordem simbólica que impediu qualquer forma de participação ativa das mulheres; ao contrário, muitas delas, junto com Olympe de Gouges, pagaram com a própria vida o fato de querer ser homem.
Excluídas da condição de cidadãs, as mulheres estarão automaticamente fora da esfera da representação política, não tendo o direito a ter um representante. A democracia representativa se faz na ausência das mulheres (Riot-Sarcey, 1994 apud Araújo, 1999) e daqueles setores sociais que não eram proprietários de riquezas. A existência de um universo de sujeitos de direitos, igualados por critérios definidos como positivos em contraposição aos diferentes, não sujeitos, marcou a exclusão de alguns setores sociais, definindo uma noção de igualdade ambígua.
Conforme Araújo (2002), o reconhecimento da condição de cidadã deu-se, num primeiro momento, em boa parte dos países, através do reconhecimento do direito de votar, mas não de ser votada. A visão acerca do papel familiar como o essencial para a mulher influenciou também as sufragistas, pois elas reivindicavam o direito ao voto, mas não contestavam a organização da sociedade e o papel a elas destinado. Reivindicavam direitos e oportunidade de votar, justificando com o argumento de que este ato iria aprimorar seu tradicional papel familiar, tornando-as melhores esposas e mães, o mesmo argumento utilizado em outro momento histórico quando do início da preocupação acerca da escolarização da mulher. Esta era defendida apenas para torná-las melhores mães (ou educadoras dos homens) e esposas.
No Brasil, as sufragistas pertenciam à elite brasileira, por isso não reivindicavam uma transformação radical na sociedade, nem questionavam a forma
p. 36
pela qual ela estava organizada. Entretanto, mesmo com essa ambigüidade, o movimento sufragista, que ocorreu na segunda metade do século XIX e nas primeiras décadas do século XX, foi responsável pelo reconhecimento da cidadania política das mulheres (ARAÚJO, 1999; AVELAR, 2002).
Por outro lado, a ênfase colocada na maternidade e em seu caráter social deixou marcas e provocou diluição dos objetivos iniciais da cidadania política. No pós-guerra, na Inglaterra e nos EUA, o direito ao voto feminino foi concedido como um prêmio pelo apoio dado por elas para a pátria durante a guerra e não como uma conquista da luta das mulheres. Como assinala Rossi-Dória (1994, p. 124), o voto é concedido traindo a longa batalha das sufragistas, "porque é colocado não no plano dos direitos, como três gerações de sufragistas tinham desejado, mas no plano tradicional dos serviços prestados pelas mulheres”.
(...)
p. 37
A representação política das mulheres
(continua...)


BONACCHI, Gabriela. GROPPI, Angela (organizadoras). O dilema da cidadania: direitos e deveres das mulheres; tradução de Álvaro Lorencini. – São Paulo: UNESP, 1995.
http://books.google.com.br/books?id=4acESZl-uWkC&pg=PA13&dq=Olympe+de+Gouges+%22revolu%C3%A7%C3%A3o+francesa%22&hl=pt-BR&ei=T5KkTvy3MZO4tgfByq2YBQ&sa=X&oi=book_result&ct=book-preview-link&resnum=3&ved=0CDoQuwUwAg#v=onepage&q=Olympe%20Gouges&f=true
GROPPI, Angela. As raízes do problema.
p. 12
(...)
Não se deve esquecer que é no novo clima criado pelo evento revolucionário que toma corpo a Declaração dos direitos do homem e do cidadão em 1789, universalmente reconhecida como momento fundador dos modernos direitos à liberdade e à igualdade. E è na época da Revolução Francesa que se prepara a construção concreta e não linear daquele modelo de cidadania que atravessou o Ocidente europeu nos últimos duzentos anos e do qual as mulheres permaneceram por muito tempo excluídas.
(...)
Neste quadro, a excepcionalidade do texto de Olympe de Gouges deriva sobretudo do fato de ser a mais orgânica crítica contemporânea ao pretenso universalismo da Declaração dos direitos do homem e do cidadão, proclamada em 26 de agosto de 1789, cuja estrutura ela decalca, estendendo-se, como aquela, em 17 artigos. Ademais, este texto – juntamente com a Vindication of the rights of woman de Mary Wollstonecraft, escrita em 1 792 - representa um protótipo das afirmações e reivindicações das mulheres em termos de direito.

p. 13
(...)
O objetivo de toda associação política é a conservação dos direitos naturais e imprescritíveis da mulher e do homem; estes direitos são a liberdade, a propriedade, a segurança e sobretudo a resistência à opressão. (Art. II)
O princípio de toda soberania reside essencialmente na nação, que é a união da mulher e do homem: nenhum organismo, nenhum indivíduo pode exercer autoridade que não provenha expressamente deles. (Art. IIl)
Mary Wollstonecraft, na dedicatória a Talleyrand que precede a sua Vindication, também reivindica os direitos da mulher para que possa tornar-se a companheira do homem:
Numa luta pelos direitos da mulher, o meu argumento principal se baseia neste simples princípio: que a mulher, se não for preparada pela instrução para tornar-se a companheira do homem, barrará o progresso do saber e da virtude; porque ou a verdade deve ser comum a todos, ou o seu influxo sobre a conduta comum será inadequado.
p. 14
Tanto Olympe de Gouges como Mary Wollstonecraft citam os dois sexos e reivindicam uma co-presença no terreno do político. Co-presença que vai na direção de uma complementaridade não mais entendida como justificação de uma relação desigual entre ambos, mas como possibilidade de uma relação igualitária mesmo que não necessariamente simétrica, baseada no fato de que a diferença de sexo não pode justificar a exclusão das mulheres do poder político e da cidadania social. No “Preâmbulo” de Olympe de Gouges, fala-se dos "atos do poder das mulheres e dos do poder dos homens", e, no artigo VI, de "igual admissão a todas as dignidades, postos e empregos públicos, segundo as suas capacidades e sem outra distinção a não ser suas virtudes e seus talentos”.
(...)
BONACCHI, Gabriela. O contexto e os delineamentos.
p. 27
(...) No que diz respeito particularmente à Revolução
p. 28
Francesa, a pesquisa histórico-social não deixou de sublinhar as mudanças negativas introduzidas pelos acontecimentos revolucionários na vida das mulheres, privadas dos privilégios assegurados pelo tradicional ordenamento hierárquico e concomitantemente excluídas do exercício de alguns dos direitos fundamentais ligados ao princípio da igualdade. Já dizia Olympe de Gouges:
Mulheres! Mulheres! quando deixareis de ser cegas? Quais vantagens vos advieram da Revolução? Um desprezo mais marcado, uma indiferença mais evidente. Nos séculos de corrupção vós reinastes exclusivamente sobre a fraqueza dos homens. Vossa império está destruído; que vos resta então?
(...)
Na França revolucionária, as mulheres, às quais eram negados os direitos "cívicos" do cidadão, foram todavia definidas como cidadãs, embora num sentido que a codificação logo se encarrega de circunscrever à posse da "personalidade jurídica civil”.
(...)
p. 33
Esse texto é um verdadeiro documento histórico de um ponto de vista bem mais substancial que o simples aspecto anedótico. Ele atesta de fato uma hermenêutica em estado nascente e as ambigüidades presentes na sua própria estréia: um sujeito novo – uma mulher que pensa e escreve como tal – que se constitui atestando e, ao mesmo tempo, contestando o mundo que o exprime e que ele exprime.
(...)
GERHARD, Ute. Sobre a liberdade, igualdade e dignidade das mulheres: o direito “diferente” de Olympe de Gouges.
p. 63
(...)
Neste “contrato social”, Olympe não reivindica apenas o direito à propriedade para as mulheres e uma "maneira imbatível para elevar a alma das mulheres; fazê-las participar de todas as atividades do homem". De Gouges insiste também sobre o direito à própria pessoa. E considere-se que audácia representa para a época a reivindicação simultânea de relações amorosas livres, da dissolubilidade do casamento a qualquer momento, da manutenção do concubinato e da defesa dos direitos dos filhos, não importa de que pais provenham. O direito à própria pessoa compreende também e sobretudo o direito à autodeterminação e - em linguagem moderna - à "liberdade reprodutiva": a questão, ainda hoje tão conflituosa, da autonomia de decisão da mulher em relação à própria gravidez. O controle da sexualidade e da capacidade procriadora da mulher, sua capacidade exclusiva de parir seres humanos e controlar deste modo a reprodução da espécie humana foram e evidentemente ainda são motivo e estímulo de tutela patriarcal e opressão das mulheres.
(...)
P. 64
(...) A dignidade, diz Kant no seu ensaio Mutmasslicher Anfang der Menschengeschichte, consiste no rigoroso respeito ao direito de ser fim em si e por si mesmo, e não ser usado por ninguém como fim para outros objetivos. (...)
(...) a diferença dos sexos foi estabelecida também como desigualdade jurídica. A orientação aqui foi dada por Jean-Jacques Rousseau que, no célebre romance pedagógico Emílio ou da educação, forneceu uma exemplar legitimação burguesa à subordinação da mulher no casamento:
Na união dos sexos cada um concorre igualmente ao objetivo comum, mas não do mesmo modo ... Um deve ser ativo e forte, o outro, passivo e fraco: é necessário que um queira e possa, enquanto basta que o outro resista pouco. Uma vez estabelecido este princípio, segue-se que a mulher é feita de modo particular para agradar ao homem.27
A argumentação mais patente porém é fornecida por J. G. Fichte, cuja doutrina do casamento (justamente por este motivo talvez) influenciou e marcou até hoje toda a doutrina do Direito de família e a respectiva concepção do casamento como instituição suprapessoal. Na sua Naturrechtslehre, ele diz: “Já que a mulher,
p. 65
segundo a disposição natural do casamento”, é de um grau inferior ao homem, só pode subir ao mesmo grau que ele “fazendo-se instrumento da satisfação do homem”. E mais adiante – numa passagem na qual transparece toda a dialética especificamente burguesa de um patriarcado que só pode pensar o amor como submissão unilateral da mulher - é dito: "ela [a mulher] readquire toda a sua dignidade só porque o fez por amor deste Uno”.28
(...)
FIORINO, Vinzia. Ser cidadã francesa: uma reflexão sobre os princípios de 1789
p. 84
(...)
A mesma Olympe de Gouges, autora da Declaração dos direitos da mulher e da cidadã, redigida em setembro de 1791, está entre os primeiros protagonistas da Revolução a declarar-se publicamente contra o tráfico de negros. De fato, escreve ela num opúsculo de fevereiro de 1788:
eu vi claramente que era a força eo preconceito que os tinham condenado a essa horrível escravidão, que a Natureza não tinha participação nenhuma, e que o injusto e poderoso interesse dos brancos tinha feito tudo.12
E prossegue:
Um comércio de homens! ... santo Deus! e a Natureza não se abala! ...A cor do homem é cambiante, como em todos os animais que a Natureza produziu, assim como as plantas e os minerais. Por que o dia não entra em disputa com a noite, o sol com a lua, e as estrelas com o firmamento? Tudo é variado, e essa é a beleza da Natureza. Por que então destruir sua Obra?13
A Revolução aboliu a servidão sem compensações, mas não a escravidão e o tráfico de negros. Segundo o comentário de Georges Lefebvre, que exprime um ponto de vista extensamente compartilhado, “um grande número de homens não pareciam a eles (aos homens da Constituinte) bastante maduros para usufruir assim da
p. 85
plenitude dos direitos; o interesse da nova ordem, ao qual se juntou o da burguesia, levou a limitar ou a negar-lhes tais direitos".14
O que está abalado é um universalismo que não consegue acolher as diferenças naturais, que não se configura como fruto e elaboração do conhecimento de uma pluralidade de sujeitos, mas como ponto de partida apriorístico; ou seja, trata-se de uma extensão de qualidades pensadas em referência a um único sujeito: tal universalismo é um "infinito singular" que se rompe no choque com o diferente.15
(...)
ROSSI-DORIA, Anna. Representar um corpo. Individualidade e “alma coletiva” nas lutas pelo sufrágio
p. 120
(...) Mas é sobretudo no registro da "superioridade moral" da mulher derivada da maternidade que se procura fundar um valor coletivo das mulheres: este já existe, mas deve ser transferido do âmbito familiar para o social e político. (...) A esperada ampliação desta última cresce facilmente no campo social, onde as numerosas organizações filantrópicas femininas, por exemplo, passam do associacionismo privado para o serviço público, lançando assim as primeiras sementes do Welfare State. (...)


SOTER (Org.). Gênero e Teologia: interpelações e perspectivas. São Paulo: Loyola, 2003.
http://books.google.com.br/books?id=q1A67sG0uOYC&pg=PA39&dq=Olympe+de+Gouges+%22revolu%C3%A7%C3%A3o+francesa%22&hl=pt-BR&ei=T5KkTvy3MZO4tgfByq2YBQ&sa=X&oi=book_result&ct=book-preview-link&resnum=2&ved=0CDUQuwUwAQ#v=onepage&q=Olympe%20de%20Gouges%20%22revolu%C3%A7%C3%A3o%20francesa%22&f=true

BICALHO, Elizabete. Correntes feministas e abordagens de gênero. in SOTER (Org.). Gênero e Teologia: interpelações e perspectivas. São Paulo: Loyola, 2003.
p.38
O movimento filosófico da Ilustração ea Revolução Liberal (séculos XVII e XVIII): Como autores das ciências sociais nesse período podemos destacar o inglês Locke e o francês Rousseau. Momento de efervescência do pensamento liberal, pautado pelas idéias de liberdade, igualdade e fraternidade (Revolução Francesa). Quando se dá a redescoberta da razão humana, as mulheres ainda serão vistas como seres não- dotados de razão. Entretanto, é um momento político, onde mulheres se posicionarão pelos seus direitos.
(...)
p. 39
Destacamos, nesse período, as personagens Olympe de Gouges, francesa, guilhotinada em 1793, no processo da Revolução Francesa, por escrever A Declaração dos Direitos da Mulher e da Cidadã em 1791. Gouges exprimia os princípios libertários e afirmava: "se a mulher pode subir ao cadafalso, pode também subir à tribuna". Perguntava Gouges dirigindo-se às mulheres: "Que vantagens vocês obtiveram na revolução?” Argumentava que, se as mulheres usassem "a força da razão", os padrões da filosofia teriam êxito; do contrário, a revolução seria uma impostora. Foi guilhotinada dois anos depois de escrever sua Declaração. Ela buscava "transpor para as mulheres as vantagens do Estado de Direito, insistindo no caráter bissexual da comunidade civil e política” (Sledziewski, 1991, 41). A inglesa Mary Wollstonecraft, em 1792, escreveu o livro Uma reivindicação pelos Direitos da Mulher, levantando a questão da identidade da mulher como submersa à do homem. Como se a sociedade humana não fosse capaz de deixar fluir o ser mulher e a razão feminina. Esse livro foi traduzido pela brasileira Nisa Floresta Brasileira Augusta, no ano de 1832, sendo Nisa considerada a primeira feminista brasileira. Para Wollstonecraft:
não é a esfera política que constitui a seus olhos o lugar privilegiado das mulheres ... a incapacidade cívica que atinge a mulher é apenas um sintoma menor de uma tendência muito mais grave: a que faz do homem o único verdadeiro representante do gênero humano ... como se a mulher não pertencesse à categoria dos seres racionais (Wollstonecraft apud Sledziewsky, 1991, 53)
Entre os filósofos iluministas somente Condorcet exigiu o direito ao voto para a mulher. Ele fala a favor das mulheres em seu livro Sur l'admission des femmes au droit de cité, escrito em 1 790, levantando o estatuto jurídico das mulheres. Olympe de Gouges aborda o papel político feminino e Mary Wollstonecraft apresenta o ser social presente na mulher.
p. 40
Segundo Nye (1995), Locke e Rousseu consideram o homem mais apto e mais forte. Se desenhavam um mundo onde os homens pudessem ser livres e iguais, podendo traçar seus destinos, nesse pensamento as mulheres não foram incluídas. Para Rousseau, as mulheres são naturalmente mais fracas, educadas para agradar os homens e serem mães.
(...) as mulheres são naturalmente mais fracas, apropriadas para a reprodução, mas não para a vida pública. As mulheres devem ser educadas para agradar os homens e serem mães. Devem ser educadas na reclusão sexual e castidade que legitimam a paternidade. Na família os homens devem governar essas frívolas criaturas. Devem aprender a estimular o desejo masculino e ao mesmo tempo impedir a lascívia dos homens. A sedução é própria de sua natureza; elas são desejosas de agradar, modestas, tolerantes da injustiça, ardilosa, vãs e artistas em grau menor (Rousseau apud Nye, 1995, 20).
Continuando com Gomariz (1992), o período do pensamento filosófico da Ilustração e da Revolução Liberal apresenta como idéias fortes, nas ciências sociais, a inferioridade feminina ea educação das mulheres. (...)
(...)
Formulação do pensamento social clássico (século XIX):
Como autores das ciências sociais Gomariz ressalta, no período, Comte, Saint Simon, Marx, Engels e J. Stuart Mill. Entre autoras feministas: Flora Tristán e Harriet Taylor. Nas ciências humanas são apresentadas como idéias fortes nesse período: a condição de mulher subordinada à família como fator de estabilidade social. Entre as feministas, o direito das mulheres ao trabalho e à educação. O movimento social que se apresenta neste momento é o das mulheres no movimento operário e nas lutas políticas.
Harriet Taylor e Stuar Mill defenderam os direitos da mulher como cidadã. Na defesa de uma sociedade que respeitasse os direitos individuais descobriram justificativas para uma correspondente revolução feminista. Para Harriet Taylor o direito de voto não bastava para as mulheres, apontava ser necessária a participação feminina no mercado livre da
p. 41
sociedade capitalista. Mill defendia o direito de propriedade para a mulher, dentro de uma sociedade democrática.
O marxismo desenvolve o feminismo da mulher trabalhadora, explorada na produção capitalista e na família ocidental moderna. A questão feminina, nesse pensamento, é uma questão social, as mulheres se diferenciam pelo lugar que ocupam na estrutura de classes sociais. Engels, ao escrever A origem da família, da propriedade privada e do Estado, analisa a família e a opressão da mulher pelo surgimento da propriedade privada e faz a crítica à economia do casamento. Engels afirma que a subordinação das mulheres não é resultado de sua constituição biológica, presumivelmente imutável, mas de ordem social, com claras raízes históricas, e será transformada. O pensamento marxista sobre a mulher será desenvolvido por August Bebel, social-democrata seguidor de Engels. Bebel defendia que deveria haver plena igualdade entre mulheres e homens no Estado socialista. Afirmava que, fosse a propriedade privada banida, os casamentos seriam felizes. Esse pensamento feminista socialista terá duas grandes representantes: na Rússia, Alexandra Kollontai e na Alemanha, Clarra Zetkin, propositora do 8 de março como Dia Internacional da Mulher, em 1910, na Segunda Conferência Internacional das Mulheres, em Copenhague. Clara Zetkin escreveu O que as mulheres devem a Marx, mostrando que no estudo de Marx sobre a família o papel das mulheres não é eterno e imutável, nem produzido pela lei divina ou lei moral. Pelo contrário, as estruturas familiares, como quaisquer outras estruturas, mudam e desaparecem. Alexandra Kollontai afirmava que só no socialismo poderiam ser solucionados os problemas específicos das mulheres, como a maternidade e tarefas domésticas, mas que, entretanto, faltava aos homens mudarem seu comportamento nas relações sociais e interpessoais.
(...)
p. 42
(...)
Em 1889, Clara Zetkin publica O problema das operárias e a mulher na atualidade, intervenção feita por ela no Congresso da Fundação da II Internacional, quando foi eleita integrante da sua direção. No seu pensamento, a opressão da mulher está entrelaçada com a luta de classes, (...):
(...) apesar que todos os pontos de coincidência nas reivindicações reformistas, jurídicas e políticas, as proletárias não têm nada em comum com as mulheres de outras classes, quando se trata dos interesses econômicos fundamentais. Portanto, a emancipação da mulher operária não pode ser obra das mulheres de todas as classes, mas sim unicamente obra de todo o proletariado, sem diferença de sexo (idem, 9).
Sufragismo e ciências sociais (1880-1940): Como autores apresentados por Gomariz temos, nesse período: Weber, Freud e as autoras feministas Virgínia Woolf e Alejandra Kollontai. As idéias fortes nas ciências humanas serão: mulher emancipada, família e patriarcado e sexualidade feminina. Junto às autoras femininas temos, no mesmo período, as idéias de direitos civis plenos, em especial o direito ao voto. O movimento social que se apresenta neste período é o do sufragismo e movimento operário .
p. 43
Fase clássica da reflexão feminina (1940-1965): Gomariz apresenta, nessa fase, como representantes das ciências humanas: Parsons, Levi-Strauss e Margaret Mead. Como autoras feministas: Simone de Beauvoir e Betty Friedan. Idéias fortes junto aos autores das ciências humanas: os papéis sexuais e o parentesco. Junto às autoras feministas: cidadãs, porém de segunda classe. O movimento social que se apresenta no período é o da participação de mulheres em partidos políticos. Simone de Beauvoir escreve O segundo sexo, em 1949, afirmando que o patriarcado é uma constante universal em todos os sistemas políticos e econômicos. A célebre frase de Beauvoir nesse livro, "não se nasce mulher, torna-se mulher*', inaugura uma nova era para o feminismo: ser mulher é uma construção histórico-cultural. Margaret Mead publica, em 1963, Sexo e temperamento, descrevendo o peso da cultura na determinação dos papéis sexuais e sociais, apresentando relações entre o masculino e o feminino culturalmente diferenciadas em sociedades diversas.
No ano de 1963, funda a Organização Nacional da Mulher (NOW) e desenvolve o chamado feminismo da igualdade pela igualdade, com queima de soutiens em praça pública.

Reflexão do Novo Feminismo (1965-1979): Apresentado por Gomariz com autores das Ciências Humanas, como Marcuse, Foucault e Lorenz (biólogo, prêmio Nobel em 1973, contraria teses culturalistas). Como autoras feministas nesse período são apresentadas por Gomariz: Kate Millet, Shulamit Firestone, Juliet Mitchell, Sheila Rowbotahm. Como idéias fortes nas Ciências Humanas no período temos: sexualidade e poder, biologia e instintos. Entre as feministas, se apresentam como idéias fortes: teoria do patriarcado e política sexual. O novo feminismo de massas se apresenta como movimento social. Nos anos de 1790 o autoritarismo é criticado, e é nesse contexto que se faz o chamado novo feminismo. Entre as mulheres se desenvolve a idéia da separação entre reprodução e sexualidade, via controle da natalidade. Uma forma mais radical sobre a condição da mulher é apresentada. A publicação de Política sexual,
p. 44
de Kate Millet (1970), dá início à teoria feminista radical dos anos 1970.
(...)
Desenvolvem-se, na década de 1970 os estudos de gênero. O gênero, como categoria de análise histórica, ganha corpo em universidades da Europa e dos EUA.
Teoria de Gênero (Anos 1980): (...) Temos nesse período a crise do movimento feminista.
(...)
p. 47
(...)
Na década de 1970, a categoria avança na compreensão da opressão da mulher. O gênero vem, como categoria de análise relacional, nos dizer que não podemos compreender o feminino, comparadigmas simplesmente biologicistas ou culturalistas, porque essa categoria parte
p. 48
de uma visão relacional na construção do masculino e do feminino, com atores históricos reais dotados de corpos e mentes construídos na vida social.
(...continua a análise sobre o panorama do advento da idéia de gênero...)


SCAVONE, Lucila. Dar a vida e cuidar da vida: feminismo e ciências sociais. São Paulo: UNESP, 2004.
http://books.google.com.br/books?id=WNX35xxTdMAC&pg=PA26&dq=Olympe+de+Gouges+%22revolu%C3%A7%C3%A3o+francesa%22&hl=pt-BR&ei=T5KkTvy3MZO4tgfByq2YBQ&sa=X&oi=book_result&ct=book-preview-link&resnum=1&ved=0CDAQuwUwAA#v=onepage&q=Olympe%20de%20Gouges%20%22revolu%C3%A7%C3%A3o%20francesa%22&f=true
p. 25
As primeiras reivindicações feministas ser localizadas no período de irrupção das revoluções democráticas do final do século XVIII, no qual se destaca a Declaração dos Direitos da Mulher e da Cidadã, redigida por Olympe de Gouges em 1791, contestando a exclusão das mulheres dos direitos universais proclamados pela Revolução Francesa de 1789. varikas (1995, p. 44) observa que, com
p. 26
esta Declaração, Olympe de Gouges “inaugurava uma tradição crítica que mostrava não somente o lugar problemático das mulheres na democracia histórica, mas também a própria natureza desta democracia". O livro da inglesa Mary Wollstonecraft, Vindication of the Rights of Woman, escrito em 1792, também representa as reivindicações e elaborações das mulheres diante das contradições do ideal democrático igualitário nascente, o qual excluía dos direitos de cidadania não só as mulheres, mas também os negros e os judeus (Varikas, 1993).
A Revolução Francesa
fundou a exclusão das mulheres da política e preparou o terreno para o Código Civil, que encarcerou as mulheres casadas na esfera privada, tornando-as menores perpétuas. Entretanto, ela obrigou a pensar a cidadania e sua potencialidade em relação a todos e todas. (Rippa, 1999, p. 29)
Uma célebre frase de Olympe de Gouges: "a mulher tem o direito de subir ao cadafalso; ela deve ter igualmente o de subir à tribuna", evidencia o caráter legalista do feminismo nascente. Ela demonstra como a luta feminista foi marcada, desde seu início, pelo ideal democrático-liberal da conquista dos direitos. Para Scott (1998, p. 84), a afirmação de De Gouges deveria ser considerada uma máxima política, pois "prefigura a sorte crónica do feminismo: nascido da República, ele foi reiteradamente condenado à morte por esta mesma República", aludindo-se à sorte de Olympe de Gouges e de outras feministas que, por suas idéias, foram condenadas à morte.
(...)
p. 27
Mas a luta feminista do século XIX esteve especialmente centrada nos direitos elementares de cidadania: direito à educação; ao trabalho, com maior ênfase no direito ao voto. A obtenção deste direito data do século XX (com exceção da Nova Zelândia que, em 1889, fio o primeiro país a conceder o direito de voto para as mulheres): Estados Unidos, 1920, Inglaterra, 1928; Brasil, 1932; França e Bélgica, 1948; Suíça, 1977, entre outros países.
A conquista tardia deste direito elementar de cidadania dimensiona a lentidão com a qual as mulheres foram integradas nas democracias liberais e também ajuda-nos a compreender o quão longa e complexa foi - e ainda é - a luta feminista em todos os seus matizes.
p. 28
No final da primeira metade do século XX, em 1949, Simone de Beauvoir, filósofa e escritora francesa, publica O segundo sexo, obra contundente que provoca escândalo e adesões, e cujas principais idéias fundamentaram e desencadearam as lutas femininas hodiernas.
(continua...)

Hesíodo

OS TRABALHOS E OS DIAS

p. 180

Facilmente Zeus concede a força e facilmente destrói o forte,
facilmente humilha o soberbo e exalta o humilde,
facilmente corrige as almas torcidas e esmaga o orgulhoso,
Zeus que troveja nas alturas e habita as sublimes mansões.
Ouve minha voz, olha, escuta, que a justiça guie tuas decisões.
De minha parte, quero dizer a Perses palavras verdadeiras.
(Trab., 5-10)

Mas tu Perses, ouve a justiça, não deixes crescer a descomedimento. O descomedimento é funesto para os pobres e até o poderoso tem dificuldade em suportá-lo
e seu peso o esmaga, quando a desgraça se encontra
em seu caminho. É preferível seguir outro rumo, que,
passando do outro lado, conduz às obras da justiça.
A justiça triunfa do descomedimento, quando
é chegada sua hora: o tolo aprende, sofrendo.
(Trab., 213-218)



Ouve a “dike”, a justiça e não deixes crescer a hybris, o descomedimento (Trab., 213)
ὦ Πέρση, σὺ δ᾽ ἄκουε δίκης, μηδ᾽ ὕβριν ὄφελλε

p. 181

De imediato o Juramento se apresenta em perseguição
às sentenças torcidas, elevam-se os clamores da Justiça
sobre o caminho por onde a arrastam os reis comedores
de presentes, que fazem justiça à força de sentenças torcidas.
Ela os segue chorando sobre a cidade e às habitações
dos homens, que a expulsaram e aplicaram sem critério. (Trab., 219-224)

αὐτίκα γὰρ τρέχει Ὅρκος ἅμα σκολιῇσι δίκῃσιν. 220
τῆς δὲ Δίκης ῥόθος ἑλκομένης, ᾗ κ᾽ ἄνδρες ἄγωσι
δωροφάγοι, σκολιῇς δὲ δίκῃς κρίνωσι θέμιστας.
ἣ δ᾽ ἕπεται κλαίουσα πόλιν καὶ ἤθεα λαῶν,
ἠέρα ἑσσαμένη, κακὸν ἀνθρώποισι φέρουσα,
οἵ τε μιν ἐξελάσωσι καὶ οὐκ ἰθεῖαν ἔνειμαν.


Meditai sobre isto, reis comedores de presentes,
sede justos em vossos julgamentos e renunciai para
sempre às sentenças torcidas.
(Trab., 263-264)

É preciso que o povo pague pela loucura desses reis
que, com tristes desígnios, falsificam seus decretos
com fórmulas torcidas.
(Trab., 260-262)

p. 182

Jamais injurieis um homem amaldiçoado pela pobreza,
que corrói a alma: a pobreza é um dom dos deuses imortais.
(Trab., 717-718)





ὦ βασιλῆς, ὑμεῖς δὲ καταφράζεσθε καὶ αὐτοὶ
τήνδε δίκην: ἐγγὺς γὰρ ἐν ἀνθρώποισιν ἐόντες 250
ἀθάνατοι φράζονται, ὅσοι σκολιῇσι δίκῃσιν
ἀλλήλους τρίβουσι θεῶν ὄπιν οὐκ ἀλέγοντες.
τρὶς γὰρ μύριοί εἰσιν ἐπὶ χθονὶ πουλυβοτείρῃ
ἀθάνατοι Ζηνὸς φύλακες θνητῶν ἀνθρώπων:
οἵ ῥα φυλάσσουσίν τε δίκας καὶ σχέτλια ἔργα 255
ἠέρα ἑσσάμενοι, πάντη φοιτῶντες ἐπ᾽ αἶαν.
ἡ δέ τε παρθένος ἐστὶ Δίκη, Διὸς ἐκγεγαυῖα,
κυδρή τ᾽ αἰδοίη τε θεῶν, οἳ Ὄλυμπον ἔχουσιν.
καί ῥ᾽ ὁπότ᾽ ἄν τίς μιν βλάπτῃ σκολιῶς ὀνοτάζων,
αὐτίκα πὰρ Διὶ πατρὶ καθεζομένη Κρονίωνι 260
γηρύετ᾽ ἀνθρώπων ἄδικον νόον, ὄφρ᾽ ἀποτίσῃ
δῆμος ἀτασθαλίας βασιλέων, οἳ λυγρὰ νοεῦντες
ἄλλῃ παρκλίνωσι δίκας σκολιῶς ἐνέποντες.
ταῦτα φυλασσόμενοι, βασιλῆς, ἰθύνετε †δίκας
δωροφάγοι, σκολιέων δὲ δικέων ἐπὶ πάγχυ λάθεσθε. 265

[248] You princes, mark well this punishment you also; for the deathless gods are near among men and mark all those who oppress their fellows with crooked judgements, and reck not the anger of the gods. For upon the bounteous earth Zeus has thrice ten thousand spirits, watchers of mortal men, and these keep watch on judgements and deeds of wrong as they roam, clothed in mist, all over the earth. And there is virgin Justice, the daughter of Zeus, who is honoured and reverenced among the gods who dwell on Olympus, and whenever anyone hurts her with lying slander, she sits beside her father, Zeus the son of Cronos, and tells him of men's wicked heart, until the people pay for the mad folly of their princes who, evilly minded, pervert judgement and give sentence crookedly. Keep watch against this, you princes, and make straight your judgements, you who devour bribes; put crooked judgements altogether from your thoughts.

Ouve agora a justiça, esquece a violência para sempre. (Trab, 275)
καὶ νυ δίκης ἐπάκουε, βίης δ᾽ ἐπιλήθεο πάμπαν.

Egito

LEOCIR, Morandin. O livro da história do direito. Salto, SP: Schoba, 2010.
http://books.google.com.br/books?id=tU5rhfH5OD4C&pg=PA57&dq=mulheres+revolu%C3%A7%C3%A3o+antigo+egito&hl=pt-BR&ei=IjqjTqCcJ5C5tget6P2jBQ&sa=X&oi=book_result&ct=book-preview-link&resnum=2&ved=0CDkQuwUwAQ#v=onepage&q=mulheres%20revolu%C3%A7%C3%A3o%20antigo%20egito&f=true

p. 57
(...) Referem-se às leis naturais que governam a criação e que refletem todas as qualidades e dinâmicas existentes na psique humana, não necessariamente às divindades.(65) Mas Amenófis IV tentou uma revolução religiosa, substituir a religião antiga pelo culto monoteísta do deus-sol Aton a partir de 1375 a.C. A revolução religiosa provocou oposição, não logrando êxito (...) Dentre as heranças da civilização egípcia, temos o primeiro monoteísmo 67. Mas os egípcios cultuavam os seus deuses; o povo era politeísta.
1. Maat e o tribunal de Osíris
Na mitologia entre os seus deuses mais sofisticados, alguns estavam ligados ao Direito. No antigo Egito, Maat era a deusa emblema da verdade e da justiça. Presidia os decretos, os atos legais. Seu grão-sacerdote era o vizir, autoridade suprema dos tribunais. (...)

p. 59
(...) Tehuty exclama: O coração de Hunefer foi julgado na balança da justiça e não foi encontrado nenhum mal; Heru exclama: Ele foi julgado pela balança da justiça e o indicador manteve-se em sua posição, onde deve estar. 70
É do Antigo Egito que ainda vem à luz uma das figuras mitológicas da configuração do Direito antes da laicização, da secularização, como Themis na Grécia. Maat é o centro da moral egípcia; não é a moral, ela própria, codificada e ensinada, mas sim sua norma; instituída por Deus, ordenada por sua Palavra, é uma lei geral e não explícita. A Maat, sob sua forma mais vasta e mais alta, é a encarnação da Justiça, da Verdade e da Ordem Universal; é a consciência cósmica, a sabedoria essencial; e pode-se dizer que ela era a chave da filosofia teológica e mística do Egito. 71 Maat personificava a harmonia cósmica.

OUTROS:
p. 21
d) Gregos: a referência religiosa, já aplainada da Moira, dirigente do destino tanto dos deuses como dos homens, que forma a
p. 22
ideia da Lei, tão superior ao imprevisível arbítrio individual; a separação entre religião e Direito, thesmoi em nomoi; no século IV, o florescimento da filosofia; a síntese política da democracia, forma final e progressiva, em 507 a.C.; a democracia de cidadãos caiu sob a espada de Alexandre Magno em 338 a.C.; cerca de 300 a.C., chegava ao apogeu a ciência grega no helenismo, quando da separação da filosofia – a morte natural da civilização grega chegava em 325, quando Constantino fundou Constantinopla ea civilização cristã-bizantina começou a substituir a cultura pagã grega no Meridiano Oriental;

p. 44
Código de Hamurabi grifada as penas (...)



JAGUARIBE, Hélio. Um estudo crítico da história, Vol. 1. 2. ed. Rio de Janeiro: Paz e terra
http://books.google.com.br/books?id=PwfvAAAAMAAJ&q=%22Uma+parte+importante+da+nobreza+era+composta%22&dq=%22Uma+parte+importante+da+nobreza+era+composta%22&hl=pt-BR&ei=uy-nTtmSLaLs0gGIpOiwDg&sa=X&oi=book_result&ct=result&resnum=2&ved=0CDIQ6AEwAQ

p. 156
Heródoto distinguia sete classes sociais no Egito: sacerdotes, militares, criadores de gado, criadores de porcos, mercadores, intérpretes e pilotos. Uma perspectiva mais precisa permitiria distinguir uma classe superior que incluía a família real, a nobreza, os altos funcionários, os grandes sacerdotes e generais; a classe média, com funcionários de nível intermediário, sacerdotes, comerciantes, fazendeiros; uma classe baixa, com artesãos e camponeses livres; e por fim os escravos.
p. 157
Uma parte importante da nobreza era composta com os descendentes dos faraós e dos seus antecessores. Dado o costume dos reis de manter muitas esposas e um número ilimitado de concubinas, o sangue real se dispersava largamente.
Os camponeses eram inicialmente servos que trabalhavam nas propriedades do monarca ou dos grandes templos. Com a revolução do Primeiro Período Intermediário, as famílias camponesas recebiam terras que deviam cultivar pagando um tributo sob a forma de parte da colheita. O senhor dessas terras era o rei, um templo, um nomarca ou algum latifundiário. Os camponeses estavam sujeitos ao recrutamento para o serviço militar ou para trabalhar em obras públicas.
Os escravos eram essencialmente prisioneiros de guerra, entregues pelo rei aos seus soldados como recompensa pelo serviço militar prestado. Mas a escravidão não tinha grande importância para a economia egípcia, e os escravos gozavam de certa proteção legal e podiam ser libertados. Por outro lado, não era incomum que os pobres se vendessem para garantir a alimentação e a moradia da família.

VER TAMBÉM: Tempo, matéria e permanência: O Egito na coleção de Eva Klabin Rapaport
http://books.google.com.br/books?id=WBHZDedhN3oC&pg=PA32&dq=egito+fara%C3%B3+sacerdotes+comerciantes+escravos&hl=pt-BR&ei=iS6nTrjPL6Td0QHtz-2ADg&sa=X&oi=book_result&ct=book-preview-link&resnum=1&sqi=2&ved=0CDcQuwUwAA#v=onepage&q=egito%20fara%C3%B3%20sacerdotes%20comerciantes%20escravos&f=true

Sexualidade feminina (SEIXAS, Ana Maria Ramos)

SEIXAS, Ana Maria Ramos. Sexualidade feminina. História, cultura, família – Personalidade e psicodrama. São Paulo: SENAC, 1998.

http://books.google.com.br/books?id=P_BZ3SMOb48C&pg=PA32&dq=mulheres+revolu%C3%A7%C3%A3o+antigo+egito&hl=pt-BR&ei=IjqjTqCcJ5C5tget6P2jBQ&sa=X&oi=book_result&ct=book-preview-link&resnum=1&ved=0CDQQuwUwAA#v=onepage&q=mulheres%20revolu%C3%A7%C3%A3o%20antigo%20egito&f=true

P. 31
EGITO (4241 a.C a 523 a.C)
Nos primórdios da civilização egípcia, a cultura é matricêntrica ea transmissão do trono é matrilinear. Homens e mulheres têm os mesmos direitos e na maioria das vezes o poder é exercido pelas mulheres dos faraós, reduzidos ao (p. 32) papel de príncipes consortes. Como inexiste o tabu do incesto, os casamentos na família real e nas classes superiores são realizados entre irmãos, que acabam reinando juntos. O casamento consanguíneo tem duplo significado: um de caráter religioso, pois os príncipes são descendentes de divindades como Íris e Osíris; outro de natureza econômica, com o objetivo de conservar os bens familiares, uma vez que somente os parentes de sangue da mulher têm direito à herança. O casamento oficial é reservado à aristocracia, e as mulheres ocupam posições elevadas como sacerdotisas, negociantes e guerreiras. Alguns exemplos: a rainha da Primeira Dinastia, Meryet-mit, em 3000 a. C.; a rainha Ahotep, quem em 1554 a.C. rechaça a invasão dos hicsos; e Nefertiti, rainha do Egito em 1300 a.C.
Por volta de 1500 a.C., no entanto, os chefes militares lideram uma revolução social que elimina o poder das mulheres e procura melhorar a situação da plebe, sem questionar as diferenças entre os reis e o povo. Instala-se o patriarcado, o homem passa a moldar a sociedade e os faraós constroem para si túmulos suntuosos, que atravessam os milênios. Segundo a lei egípcia, homens e mulheres são iguais, mas na realidade a igualdade é inexpressiva para a maioria das mulheres ea independência econômica só é possível através da herança.
Para a mulher, "as únicas profissões que se auto-sustentavam parecem ter sido as de dançarina e musicista que, com grande frequência, requeriam um talento para a prostituição, bem como para a música. Do contrário, a mulher tanto podia ser esposa ou escrava, dependendo do homem de sua casa” (Tannahill, 1983, p. 65).
A criação do Universo, no antigo Egito, assume várias formas, inclusive como resultado do coito ou da masturbação masculina. O falo passa a ser cultuado e, durante os rituais sagrados, nos templos, sacerdotisas mantêm relacionamento sexual com os fiéis e para tanto são por eles remunaeradas. São as “prostitutas sagradas”. As demais prostitutas, as comuns, geralmente escravas ou mulheres vendidas pelos pais ou irmãos com os quais tiveram relações sexuais, trabalham em bordéis administrados pelo Estado.
Os casamentos no antigo Egito ocorrem muito cedo: às vezes, o cônjuge não tem mais de 6 anos de idade. Durante o terceiro milênio antes de Cristo, a poliginia (poligamia masculina) é frequente, mas o homem possui apenas uma esposa legal, associada ao culto. Todos os filhos são legítimos, mas as outras (p. 33) esposas são privadas de quaisquer direitos. Com o tempo, exceto entre os faraós, esse regime vai sendo substituído pela monogamia, principalmente em consequência da impossibilidade financeira do homem de sustentar várias famílias. Mas são permitidas concubinas e escravas suplementares.
(...)
Quanto ao adultério, a mulher pega em flagrante pode ser queimada até a morte. Sem o flagrante, basta que jure inocência. Assim como os homens, as mulheres podem pedir o divórcio, embora o motivo mais comum seja a esterilidade da mulher.
No século I a.C., uma nova rainha egípcia merece destaque: Cleópatra, esposa de seu irmão Ptolomeu, que, menos pelo fato de ser bela, como apontam alguns, e mais por suas qualidades como guerreira, ameaça a hegemonia do Império Romano, defendendo seu país com a própria vida.

Mesopotâmia (4000 a.C a 536 a.C)
P. 34
Na babilônia (...) a posição da mulher é inferior à do homem do ponto de vista legal e social. As leis de Hamurabi, entretanto, reconhecem certos direitos da mulher, como receber parte da herança paterna. As mulheres babilônicas também possuem esfera de ação mais ampla que a das egípcias, tendo trabalhos como cozinheiras, fiandeiras, tecelãs, carregadoras de água, vigias de lâmpadas, babás, cabeleireiras, estenografas, balconistas, cervejeiras, cantoras, advinhas, nigromantes. As sacerdotisas naditu são tão comerciantes quanto os homens.
O casamento na Babilônia é oficial e consumado pelas meninas freqüentemente aos 1 1 ou 12 anos, e na ocasião elas recebem um dote do pai. A união é monogâmica e tanto o homem como a mulher podem ter um cônjuge de cada vez. Mas, dependendo da condição econômica, o homem pode ter concubinas e esposas secundárias. De acordo com a lei, se a esposa legal for estéril, cabe a ela proporcionar ao marido uma substituta fértil.
O divórcio é privilégio dos homens e o adultério feminino é, às vezes, punido com a morte. Caso a esposa seja estéril ou perdulária, o marido pode pedir o divórcio ou rebaixá-la à condição de escrava. No século V a.C., toda mulher babilônia, uma vez na vida, deve entregar-se a um estranho no Templo de Milha, em troca de uma moeda que ela oferece ao tesouro do templo. Em seguida volta ao lar, para viver castamente. A prostituição não carrega nenhum estigma e, assim como no Egito, também existem prostitutas sagradas, que atuam como intermediárias entre o fiel e a divindade. Esse tipo de prostituição pode ter origem nos rituais de fertilidade, e o dinheiro arrecadado certamente representa parte substancial da renda dos templos. As prostitutas comuns vivem nas ruas e lugares públicos, onde são colocadas pelos pais. São mulheres que preferem abandonar os maridos ou que, de alguma maneira, sentem-se forçadas a ingressar na prostituição.
No mundo assírio (1500 a.C. a 625 a.C), eunucos (homens castrados) "guardam" as mulheres da nobreza, como garantia de fidelidade e segurança. Segundo a legislação, o marido que surpreender a mulher em adultério tem liberdade para matar o casal ou apenas decepar o nariz da mulher e castrar o homem.
(...)
P. 37
Grécia (1600 a.C. a 146 a.C)
As mulheres gregas estão relativamente em pé de igualdade legal e social com suas contemporâneas orientais: são consideradas inferiores aos homens e constituem propriedade dos pais. Tanto que o pai pode vender a filha como escrava ou prostituta caso perca a virgindade, mesmo por estupro. A autoridade paterna passa para o marido ou para o irmão mais velho se a mulher não se casar. Também são vistas como procriadoras por excelência.
Em Atenas, as mulheres não têm mais direitos políticos e legais do que os escravos e não recebem educação formal. As casas dos poderosos possuem recintos distintos para homens e mulheres (o gineceu), e as mulheres só podem sair de casa para ir aos ritos sagrados e funerais. Raramente recebem permissão para ir ao teatro ou ao festival exclusivo para mulheres.
Já em Esparta, as mulheres possuem maior autonomia, embora continuem sem direitos políticos e sejam consideradas inferiores aos homens. A autonomia feminina tem origem na infância, quando meninas e meninos são educados conjuntamente em atividades guerreiras. Além disso, os homens ficam afastados de casa por longo tempo, em manobras militares, facilitando essa autonomia.
A maior liberdade da mulher espartana está refletida até na indumentária. Ao contrário das atenienses, que vestem volumosas e complicadas túnicas, as espartanas usam túnicas curtas, que permitem agilidade de movimentos. A esposa espartana não fica confinada ao lar do marido, que é autorizado apenas a fazer-lhe furtivas visitas noturnas. Ela lhe pertence tão pouco que, em nome da eugenia, outro homem pode unir-se a ela. Como os filhos pertencem a todas mulheres da cidade, elas não são escravizadas a um senhor e nenhum constrangimento lhes limita a liberdade.
Para reforçar a beleza feminina, os gregos obtiveram significativos progressos na confecção de espartilhos e inventaram o sutiã meia-taça. As mulheres usavam cintas e enchimentos modeladores, máscaras faciais e maquiagem, como tintura de algas nas pálpebras. Na tragédia grega, ocupam um espaço relevante,
p. 38
freqüentemente como figuras principais: Medéia, Electra, Afrodite, Helena de Tróia, Penélope e muitas outras.
Na Grécia, os casamentos são arranjados pelos pais, e o noivo paga um preço pela noiva. A mulher casa-se com pelo menos 16 anos e o homem com 30. O objetivo do matrimônio freqüentemente é solidificar alianças entre famílias poderosas, e o pai da noiva realiza torneios para escolher um marido forte e corajoso.
A esposa ateniense ocupa uma posição decorativa, reduzida a fiscalizar os filhos e os serviçais. Não faz refeições à mesa com o marido, perdendo oportunidade de ouvir conversas sobre cultura e assuntos públicos. Sexualmente deve ser fria, não demonstrando interesse pelo sexo e submetendo-se ao marido, pois seu dever é gerar filhos. Como o marido raramente a procura, as questões que envolvem aborto ou anticoncepcionais são secundárias. Nos períodos de crescimento populacional, entretanto, é comum o infanticídio, principalmente de meninas.
(...)
É difícil para a mulher grega travar conhecimento com algum homem que não seja o marido ou um parente. Mas se ela comete o adultério, é rejeitada pela sociedade e, como punição, perde seus direitos de cidadã. O marido pode pedir o divórcio, matar o sedutor, exigir dele uma multa ou ainda vender a mulher como escrava.
Pode ocorrer, também, de o marido repudiar a esposa sem motivo. A mulher, ao contrário, só pode recorrer ao divórcio em caso de extrema provocação, o que não inclui pederastia e adultério. O homem pode ter concubinas e recorrer a palákinas, hetairas e prostitutas de bordel ou de rua.
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As palákinas substituem a esposa no leito do marido quando a mulher está doente, indisposta, grávida ou convalescente de parto. As hetairas são cortesãs de alto nível - belas, educadas, cultas, talentosas, inteligentes -, treinadas para o ofício desde a infância. O que os homens atenienses mais apreciam nelas é o fato de poderem conversar no mesmo nível que eles, constituírem companhia de alta classe para seus amigos e terem um bom desempenho sexual, ou seja, tudo aquilo que eles impedem que suas esposas aprendam.
(...)
Há hetairas que têm certa participação na política mas não são cortesãs, como Astenia e Axiotéia, alunas de Platão que freqüentam a Academia e o Liceu, ou como Aspásia, Frinéia e Laís, que reivindicam a valorização da mulher não apenas como mãe de família. Há também poetisas, como Safo e Corina. Na realidade, pode-se dizer que as hetairas, cortesãs ou não, constituem o primeiro grupo de mulheres na história a alcançar um relacionamento pacífico com os homens, sendo admiradas tanto por seu corpo quanto por sua mente.
As concubinas, na escala social, estão abaixo das hetairas e não têm nenhuma segurança: quando o senhor se cansa delas, são vendidas para os bordéis. Os primeiros bordéis atenienses surgem no início do século VI a., mas só começam a prosperar por volta do século IV a.C.
(...)
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(...) Aristóteles, naturalista que é, considera “natural” a inferioridade da mulher em relação ao homem, devendo viver fechada em sua casa e subordinada a ele. (...) a mulher, com seu sangue menstrual, tem um papel passivo no processo de gestação, enquanto o homem, com seu esperma viril, um papel ativo, ou seja, apenas o homem é o criador. Aristóteles diz ainda, em seu tratado, A geração dos animais, que “a fêmea é, por assim dizer, um macho mutilado” (Reuther, 1977).

ROMA (753 a.C. a 746 a.C.)
O povo romano tem origem nos etruscos, que são matrilineares e matrilocais. As mulheres são sexualmente livres, atléticas e boas bebedoras, e os meninos e meninas são educados igualmente. Depois da fundação de Roma, a sociedade romana passa a ser patriarcal. O chefe de família tem direito de vida e morte sobre os membros do clã, podendo igualmente vendê-los como escravos. A falta de reconhecimento da mulher como indivíduo reflete-se no fato
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de ela não ganhar um nome próprio. Se seu pai se chama Júlio, seu nome será Júlia Primeira, a irmã será Júlia Segunda, e assim por diante.
Espera-se que a mulher permaneça virgem, a tal ponto que o pai e o marido têm o direito de matar a filha ou a esposa que não forem castas. No entanto, a mulher romana é um pouco mais emancipada que suas contemporâneas. Como os homens passam longo tempo fora de casa guerreando, as mulheres são obrigadas a cuidar dos filhos e da casa e a desempenhar um papel ativo nos negócios da família.
A esposa é senhora do lar, companheira do marido, participa das refeições, vai às festas e ao teatro, sai para fazer compras, visitas e passeios e toma parte em reuniões políticas. Em decorrência, possui consciência do próprio valor e auto-estima. Algumas destacam-se por suas qualidades, como Sabina, que se tornou célebre por suas boas ações; Plotina, que partilhou a glória e as responsabilidades de Trajano; Virgínia, que foi admirada por Marcial como esposa irreprovável e mãe dedicada.
Na antiga lei romana, a idade mínima para o casamento era 12 anos para a menina e 14 para o menino. Havia basicamente três formas de casamento. A primeira equivalia a um casamento atual na Igreja católica - com cerimônia e difícil de ser dissolvido. A segunda assemelhava-se a uma moderna cerimônia civil, para aqueles que não podiam desperdiçar dinheiro em festas. Em ambos os casos, a noiva oferecia ao marido, obrigatoriamente, um dote e bens, se possuísse, e passava a pertencer inteiramente à família dele, a tal ponto que, se cometesse algum crime conjugal, era ao conselho da família dele que deveria responder. A terceira forma de casamento era aquela na qual homem e mulher viviam juntos com consentimento mútuo; a esposa e suas propriedades não ficavam sob o controle do marido, e somente depois de um ano de associação contínua eram unidos legalmente.
O casamento era rigorosamente monogâmico, tanto para o homem como para a mulher. O adultério feminino era punido severamente, inclusive com a pena de morte. O adultério masculino era igualmente punido, porém de forma mais branda. O incesto e o estupro também eram considerados crimes pela legislação romana.
(...)
IDADE MÉDIA (476 a 1453)
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No início da Idade Média as mulheres constituem uma reserva de força de trabalho enquanto os homens estão na guerra. Em geral, elas fiam, tecem, cuidam dos animais e das hortas. Como os homens estão ausentes em atividades militares, são elas que recebem melhor educação e cultura. Durante algum tempo adota-se o costume de usar o nome de família da mulher, e não do marido.
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(...) Hroswitha de Gandersheim, do século X, por exemplo, é considerada a única escritora da Europa por cinco séculos, e a caridosa e ativa Santa Catarina de Siena prega de cidade em cidade a submissão ao papa e mantém vasta correspondência com bispos e soberanos.
Aos poucos, o cristianismo vai-se tornando patriarcal, fazendo prevalecer as instituições sobre o amor e submetendo o oprimido a valores espirituais. Em consequência, as mulheres perdem a participação igualitária. A posição legal e social da mulher da era cristã é praticamente a mesma que da Antiguidade, pois a liberdade oferecida pelo cristianismo é somente espiritual. As esposas, na definição cristã, são fracas, frágeis, lentas de entendimento, emocionalmente instáveis, fúteis, hipócritas e indignas de confiança no que diz respeito às questões públicas. Além disso, representam uma ameaça sexual. São Pedro diz que as mulheres devem ornamentar-se com a riqueza de um espírito sossegado e gentil, e não com roupas finas, cabelos trançados, braceletes de ouro. A Igreja usa publicamente as mulheres convertidas em seus trabalhos de caridade e evangelização; todavia, impede qualquer mulher de praticar os cultos religiosos.
A moralidade cristã é investida de autoridade religiosa e social, e os padres utilizam uma ameaça eficaz: o fogo do inferno. Durante um período conhecido como Obscurantismo, a instrução e a aprendizagem se tornam privilégio dos mosteiros, que reproduzem a visão preconceituosa dos padres da Igreja sobre a vida e a sociedade.
O cristianismo é severo coma mulher, começando por sua interpretação do Antigo Testamento: Eva é a segunda na ordem da criação (é feita a partir da costela de Adão) e é a origem do pecado, dos sofrimentos e de todos os males (é ela quem tenta Adão). A mulher e o prazer são instrumentos do diabo, destinados a afastar o homem de Deus e da transcendência. Deus é sexualizado na figura de Cristo-homem, enquanto a mulher é valorizada apenas na figura de Maria, enaltecida especialmente por permanecer virgem apesar de ser mãe de Cristo.
O celibato é exaltado pelo modelo de casamento de Maria e José, sem relações sexuais, pela virgindade de Maria e pelo exemplo de Jesus, que viveu solteiro. O celibato torna-se o símbolo da moral e é considerado estado superior ao casamento, por não acarretar obrigações que possam interferir na devoção ao Senhor. A Igreja, na verdade, deseja a castidade, que permitiria ao homem alcançar o estado de graça do Jardim do Éden.
(...)
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Os partos são sempre dolorosos e frequentemente mortais. (...)
A contracepção é vista como o pecado maior do sexo. O coito interrompido, o sexo anal e oral e as substâncias anticoncepcionais são considerados práticas tão graves como o homicídio, acarretando penalidades de três a quinze anos de prisão. (...)
O aborto é proibido, mas é menos pecaminoso que a contracepção se cometido até quarenta dias a contar da concepção (antes que o feto tenha adquirido alma humana). O infanticídio feminino também é praticado.
O divórcio é quase impossível, e a homossexualidade e a masturbação são consideradas pecados, apesar de se constatar a presença de dildos. A prostituição é proibida, mas floresce por todo lado. No século XI é decretada a castidade absoluta do clero, mas os sacerdotes continuam a ter concubinas abertamente ou de modo clandestino.
A Igreja, com essa postura diante da sexualidade, cobre todos de culpa, sejam solteiros, casados ou sacerdotes. Rejeita o desejo , impõe limites e regras à vida sexual, estabelece proibições, administra castigos e transforma todos em pecadores. Pecadores que ficam a sua mercê, uma vez que somente ela possui a chave da redenção, através da penitência. Assim, a forma de manter o controle é a confissão.

O AMOR CORTÊS OU PALACIANO
Na primeira metade do século XII surge na literatura o conceito de "amor cortês" ou "amor palaciano". É uma novela sentimental, geralmente um caso amoroso idealizado entre uma dama de alto nascimento e um cavaleiro romântico. É cantado e decantado por trovadores, poetas, líricos e músicos.
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O amor cortês coloca a mulher num pedestal de pureza e idealização, associando o poder enobrecedor e platónico do amor com os ideais de fidelidade. Surge, então, a idéia do amor espiritual do jovem trovador ou do herói cavaleiro por sua dama, que é uma figura pura, estática, inacessível. Sexualmente, é a exaltação da frieza. O amor palaciano será, mais tarde, um conceito literário e dos costumes, o amor romântico.
Na Europa, a expansão da Mariolatria acompanha aceitação social do amor cortesão. Há um aumento do culto à Virgem e a progressiva elevação de sua figura. Posteriormente, poetas e trovadores começam a confundir a Virgem com a Dama, o amor sagrado com o profano, e a Virgem se torna Notre Dame. A mulher se transforma em dama honorável ao menos na imagem. No entanto, a Virgem é honrada por suas virtudes e não por ser uma personalidade pensante, de qualidades próprias.
FEUDALISMO E HUMANISMO
Entre os séculos XI e XIV desenvolve-se na França e depois em toda a Europa o feudalismo – regime político e social baseado no usufruto da terra por pequenos proprietários em troca da prestação de serviços e de obediência ao dono das terras. Nesse período, durante os séculos XII e XIII, surge na Itália o humanismo, movimento que cultiva o gosto pelo estudo das culturas grega e latina.
A tradição verbal, no século XIII, é substituída por leis escritas, que conferem direitos aos homens e impõe restrições às mulheres, que são excluídas da cultura e da política. Apenas na Itália e na Espanha as mulheres podem estudar junto com os homens, e algumas se tornam grandes figuras intelectuais, como as
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médicas Ana Comnena (fundadora de uma escola de medicina) e Trótula (autora de importantes trabalhos sobre ginecologia e obstetrícia). Mas, com o correr do tempo, elas também são afastadas. Com o feudalismo, a mulher não mais ocupa o lugar do marido quando ele falta, função agora exercida pelo governo central.
O estatuto jurídico da mulher sofre significativa deterioração. A maioria dos costumes, por exemplo, concede ao homem o direito de bater na mulher. Ela é também declarada incapaz de cumprir as obrigações de vassalagem, é excluída do trono da França e considerada inapta para transmitir os direitos à coroa.
"Como saída para suas frustrações, as mulheres começaram a interessar-se por movimentos heréticos, como os cátaros (do sul da França). Entre os séculos XII e XIII, elas se juntaram também em comunidades autônomas - o Movimento das Beguinas, grupos de mulheres leigas celibatárias que fugiam à dominação patriarcal e que, ao mesmo tempo, ameaçavam a autoridade masculina dos padres da Igreja” (Muraro, 1993, p. 106). Entretanto, nenhum desses movimento frutifica.
(...)
No século XIII, Santo Tomás de Aquino admite o amor carnal entre marido e mulher, reabilitando o prazer como consequência do ato conjugal, desde que tenha como fim a reprodução. Para ele, a mulher é um ser incompleto e "o homem é a cabeça da mulher, assim como Cristo é a cabeça do homem” (Beavoir, s. d., p. 119).
Santo Tomás de Aquino e outros ficam convencidos da existência de demônios: íncubos (demônios masculinos que copulam com mulheres adormecidas) e súcubos (demônios femininos que copulam com homens adormecidos), os quais são capazes de engravidar as mulheres que visitam.
Esse período registra uma mudança nos contratos sociais: as altas quantias pagas por uma noiva são substituídas por dotes oferecidos às famílias dos noivos. Mulher sem dote está condenada a viver solteira. Nobres e reis deserdam filhas para não terem diminuídas suas propriedades. Em compensação,decresce o infanticídio feminino.
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(...) no final do século XII a Igreja cria um poderoso e horripilante instrumento de coerção: a Santa Inquisição. É somente mais tarde que a Inquisição passa a perseguir as heresias religiosas. O Concílio de Latrão, em 1215, estabelece a confissão obrigatória e regulamenta o sacramento da penitência. A confissão passa a figurar entre os rituais mais importantes da Igreja. O desejo sexual é considerado demoníaco e a mulher atraente e sedutora é suspeita de exercer bruxaria e manter relações carnais com o diabo. (...)
A outra vertente da feitiçaria é constituída por mulheres solteiras ou viúvas, pobres, feias, com idade entre 50 e 70 anos, faladeiras, curandeiras que preparam poções mágicas e "se transportam pelos ares em vassouras" ou parteiras de aldeia “que necessitam de um suprimento regular de recém-nascidos para seus banquetes”. As bruxas são responsáveis também por doenças desconhecidas, como manchas cutâneas e crises epilépticas, e por acidentes climáticos, como tempestades, geadas, secas e incêndios.
Tem início a grande caça às bruxas européias, condenadas a morrer na fogueira. Centenas de milhares de pessoas morrem queimadas, principalmente entre os séculos XIV e XVIII, sendo 85% mulheres. É um dos maiores genocídios da história da humanidade. Entre as feiticeiras mortas na fogueira está Joana d'Arc (...)
Muitas das mulheres queimadas são as que praticam cuidados com a saúde - curandeiras, parteiras, médicas, cirurgiãs, farmacêuticas, que trabalham gratuitamente ou para seu sustento. Assim, destrói-se o que resta do saber feminino.
Após a época de “caça às bruxas”, as mulheres perdem o direito de herança e, em alguns países, o direito de acesso ao trono. Dessa forma, implanta-se uma situação jurídica de tutela sobre a mulher.
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Na Alta Idade Média (século XIV) aparece o cinto de castidade, estrutura metálica que é passada entre as pernas da mulher e fechada sobre as ancas, com duas pequenas aberturas para as necessidades fisiológicas, impedindo a penetração. Originalmente, o cinto de castidade pode ter sido destinado à proteção contra o estupro, comum nos tempos medievais, mas certamente é mais utilizado por maridos ciumentos que, quando se ausentam, levam a chave.
A partir do século XIV, alguns teólogos toleram posições sexuais chamadas "não-naturais" durante o coito dos cônjuges; mas somente em casos especiais, como maridos muito gordos ou mulheres nos últimos meses de gravidez, para evitar que o acesso pela frente prejudique o feto.
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(...) Há vários prostíbulos, alguns conhecidos como "casarões", dirigidos por abadessas; termas, que servem como casas de encontro com uma prostituição permanente; bordéis particulares, mantidos por alcoviteiras, estalajadeiras e proxenetas. As prostitutas públicas ganham as ruas, tavernas, praças, portas de igreja. O fato de freqüentar esses bordéis não traz desonra alguma e ninguém vai às escondidas. São locais de vida alegre e saudável, não colocando em risco o equilíbrio da família.
(...) No final do século, com a crise econômica que se abate sobre a França, cresce o número de imigrantes e a prostituição aumenta significativamente. Esse fato produz uma legislação repressiva e as prostitutas passam a ser consideradas criminosas. Muitas são flageladas publicamente, e a prostituição foram dos bordéis pode ser castigada (Rossiaud, 1987).
Os estupros são freqüentes na França do século XV e apresentam uma forma característica: em geral são praticados por bandos de jovens de 18 a 24 anos que não têm problemas anteriores com a justiça, e as vítimas, que são arrastadas de suas casas durante a noite, são mulheres pobres, criadas, estranhas na cidade ou suspeitas de adultério (Flandrin, 1988)
(...)
REFORMA E CONTRA-REFORMA
A Reforma eo protestantismo surgem no início do século XVI, pelas mãos de Martinho Lutero e João Calvino, contra as arbitrariedades da Igreja. O movimento reformista modifica as relações homem/mulher e adulto/criança,
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elimina conventos e mosteiros e passa a haver escolas separadas para meninos e para meninas.
O sexo, para o protestantismo, é tido como natural e considerado menos pecaminoso se praticado a serviço de Deus. A virgindade é considerada indesejável eo prazer sexual é admitido, mas sempre dentro do casamento. A mulher, portanto, não é vista somente como geradora de filhos ou objeto para alívio dos desejos sexuais do homem, mas como companheira.
(...) O adultério, feminino e masculino, é condenado com veemência, mas o divórcio é admitido em alguns poucos casos, como, por exemplo, se a mulher recusar os direitos conjugais do marido, ou se um dos parceiros impedir o outro de levar uma vida piedosa. A prostituição é condenada. Do ponto de vista da ética individual, a religião protestante é puritana, santifica o trabalho e reprime a sexualidade. Os fornicadores e adúlteros são flagelados e obrigados a fazer confissão pública na igreja. Os considerados fracos de espírito são queimados como feiticeiros ou enforcados.
Para lutar contra o movimento protestante, a Igreja dá origem à Contra-Reforma e promove o Concílio de Trento (1545-1563), que retoma o esforço moralizador do Concílio de Latrão (século XIII). A Igreja da Contra-Reforma reafirma a virgindade como estado superior ao casamento, zela pela limitação do sexo à atividade procriadora, reforça a indissolubilidade do casamento monogâmico, mantém o celibato dos padres, condena a arte que exalta a luxúria e intensifica a perseguição às bruxas.
(...)
No século XVI a mulher passa a receber educação intelectual e artística e torna-se mais atraente. Surgem mulheres com expressão e destaque na sociedade, na economia e na política. Algumas são soberanas poderosas, como Hipólita Fioramenti, que comanda as tropas do duque de Milão e durante o sítio de Pavia conduz às fortificações uma companhia de grande damas. (...)
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As rainhas são sempre privilegiadas: Catarina de Médíeis, Isabel, a Católica, a rainha Margot. Ana da Áustria é cercada de mulheres cujos conselhos segue de bom grado. Santa Teresa d'Ávila extrai, de sua confiança em Deus, uma sólida confiança em si mesma, fundando mosteiros, administrando-os, viajando, empreendendo. Em 1545 surge a primeira atriz a marcar presença num palco. As amantes dos reis, reconhecidas como "favoritas", têm grande influência nas decisões políticas do país, a exemplo de madame de Pompadour e madame du Barry, no caso de Luís XV.
Aos poucos, homens e mulheres da aristocracia e da classe média começam a esboçar plácida afeição no casamento. Surgem livros preocupados em ensinar a namorar, a tratar a mulher de forma adequada, a obter amizade, companheirismo e paixão do relacionamento a dois, além da reprodução. É neste século que o anatomista Renaldo Colombo descobre o clitóris, definindo-o como órgão análogo ao pênis.
No mercantilismo, o arranjo desordenado e sem método da família medieval dá lugar a uma unidade familiar menor, mais autoritária e com menos membros temporários. No século XVI, a idade média de vida fica entre 25 e 30 anos, e uma criança pode ter duas ou três madrastas ou padrastos.
(...)
Os filhos recém-nascidos de mulheres abastadas são mandados para as áreas rurais para serem amamentados por amas-de-leite. Ou, como muitos bebês morrem por lá, as mães ricas que se preocupam com a sobrevivência dos filhos hospedam as nutrizes em suas casas e as impedem de ter relações sexuais com os maridos, a fim de evitar que uma possível gravidez interrompa o aleitamento. (...)
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No século XVI, uma epidemia de sífilis se dissemina pela Europa, contribuindo para diminuir o patrocínio de bordéis e de prostitutas de rua.
Nesse mesmo século, em Veneza, a sexualidade aparece nas canções populares e na história da vida eclesiática e monacal. (...)
Na Inglaterra e nos Estados Unidos, em contraponto a esse "desenvolvimento" da sexualidade feminina ocorre a ascensão dos puritanos, que perseguem violentamente as bruxas. A censura exercida sobre as mulheres é tão forte que a vida sexual feminina, imaginária ou real, jamais é discutida abertamente (...) Os poemas de algumas poetisas inglesas , por exemplo, pregam uma proibição sexual que se estende a todos os aspectos da vida da mulher: função coercitiva na maneira de falar, olhar, andar, imaginar, pensar. A castidade continua a ser a essência da feminilidade, agoa associada à passividade, ausência de poder e impotência. Como publicar seus próprios escritos é, para as mulheres, violar simbolicamente os princípios de reserva feminina e "tornar-se pública", algumas delas optam pelo anonimato (Goreau, 1987).
Há também o movimento do jansenismo, isto é, o renascimento das doutrinas agostinianas na Igreja Romana, pregando os prejuízos do pecado original e da luxúria à natureza humana, a preocupação moral e a repressão da sexualidade. (...)
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SEXUALIDADE NO BRASIL COLONIAL
No Brasil, no início do século XVI, desembarcam três mil portugueses, homens, para a tarefa da colonização. As mulheres brancas só vêm cerca de cinquenta anos depois. (...)
Reina a poligamia, incesto, bestialidade, subjugação de escravas pelos senhores, diferentes formas de cópulas, e inúmeros filhos bastardos na senzala.

Idade Moderna
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O divórcio é admitido não apenas por adultério e abandono, mas também por falta de afinidade entre os casais, e surge a possibilidade de um segundo casamento. Parece ter início um movimento para estabelecer a existência de seres com vontade própria e livre-arbítrio no que se refere às questões afetivas.
Os séculos XVII e XVIII marcam a época do racionalismo e a busca da verdade objetiva. Os racionalistas reprimem as emoções e expressam a sexualidade; fazem do galanteio uma prática que despreza a emoção e coloca o flerte e a sedução sob o governo do intelecto. Casanova e Dom Juan são os exemplos típicos de sedutores irresistíveis.
A libertinagem sexual torna-se o esporte preferido dos ociosos da corte, inclusive das mulheres. Em Versalhes, em especial, vive-se o "século da mulher": pintura e pó no rosto, cetins, sedas, jóias e maneiras requintadas e afetadas. A novidade não é a vaidade, mas a superficialidade teatral. O caso amoroso libertino compreende quatro estágios - seleção, sedução, sujeição e separação. A dama tanto pode ser uma nobre como uma dançarina.
O período assiste à segunda abertura, depois do protestantismo, na ética cristã, o mundanismo, que consiste no transplante do estilo de vida palaciano para as grandes cidades governadas por Estados absolutistas. É a "popularização" dos hábitos "decadentes" da aristocracia, assumidos por setores da burguesia aristocratizados e tornados modelo de "modernidade" para as populações urbanas.
Mas, ao contrário do protestantismo, o mundanismo iria atacar a visão da Igreja por um lado hoje mais atual: o lado do prazer imediato e do conhecimento por prazer, em contraposição à salvação eterna e ao saber revelado pelos dogmas. No mundanismo a mulher aristocrata assume o prazer sexual quase em igualdade de condições com o homem, aspira a ascender aos lugares ocupados pelo homem no mundo da política, das ciências e das artes, “reina” nos salões, nos bailes e em outros lazeres, mas em contrapartida rejeita a maternidade, a amamentação em primeiro lugar, mas também a criação e a atenção afetiva aos filhos (Almeida, 1987, p. 60).
O comportamento sexual do povo e o da burguesia se equivalem ao da nobreza. Mas as respostas ante as abordagens sexuais são muito diferentes, dependendo da classe social a que a pessoa pertence. A sedução de uma rica herdeira,
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por exemplo, pode terminar em duelo. Já uma moça pobre que sofre sedução pode acabar expulsa da família e condenada pela Igreja. Quando são mães solteiras, abandonam seus bebês em portas de igrejas e conventos.
A literatura expressa a depravação calculada do jogo amoroso. Um exemplo são as novelas do marquês de Sade, que dá seu nome à perversão sexual conhecida como sadismo, tipo de prazer sexual derivado da aplicação da dor. Outro exemplo é a inglesa Aphra Behn, que se torna escritora profissional e levanta sem rodeios a questão sexual. Ela acredita que a paixão física faz parte do amor e que as mulheres conhecem a experiência do desejo e são capazes de exprimir sua intensidade tanto quanto os homens.
Do século XVI ao XVIII a morte ganha conotação erótica, reunindo sensações de sofrimento, prazer e agonia. Como exemplos temos a expressão de gozo de uma santa no ato de morrer, as torturas e execuções públicas e o “espetáculo” da guilhotina durante a Revolução Francesa.
(...)
O período assiste a florescência da prostituição e da homossexualidade, feminina e masculina, e de todo tipo de perversão. O condom começa a ser usado como contraceptivo, feito de tripa de carneiro ou pele de peixe. (...)
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No final do século XVIII, com o desaparecimento da peste negra, a expectativa de vida da mulher aumenta, podendo atingir 50 anos.

5. A CONVIVÊNCIA SOCIAL E FAMILIAR DA MULHER BRASILEIRA ENTRE OS SÉCULOS XVIII E XIX
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Apesar de o sistema educacional brasileiro ter sido implantado em 1549, com a Companhia de Jesus, os jesuítas só se dedicam ao ensino dos meninos. As mulheres permanecem sem acesso à alfabetização até o século XVIII. Mesmo depois disso, muitos pais julgam desnecessários tais cuidados (Cushnir, 1992).
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A REVOLUÇÃO INDUSTRIAL
No século XIX, com a Revolução Industrial, surgem as máquinas que tornam possível a fabricação de bens de consumo. A energia mecânica substitui a energia muscular, alterando radicalmente as relações do ser humano com o seu trabalho, com o meio ambiente, com os outros e consigo mesmo. A industrialização fortalece o capitalismo, constroem-se as primeiras fábricas, nasce a classe operária ea classe média atinge o apogeu. Burgueses, donos do capital e das novas fábricas, vão substituindo os aristocratas na estrutura do poder. As monarquias sofrem abalos e surgem as novas repúblicas com suas incipientes democracias, como a norte-americana após a independência, em 1776, e a francesa, após a Revolução de 1789.
Até 1884, as únicas mulheres a votar na Inglaterra são as solteiras ou viúvas donas de propriedades, moradoras nas cidades. Até 1914, o maior emprego individual para as mulheres é o serviço doméstico, ea mulher operária é transformada em escrava do salário, malpaga e recebendo menos que o homem pelo mesmo trabalho.
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(...) Em 1871, Darwin afirma que a mulher tem força intelectual inferior e menor capacidade criativa em relação ao homem (Kusnetzoff, 1988).
As camponesas do interior da França no século XIX são um exemplo típico de condição inferior e de submissão ao homem. Dependendo da região, fazem todo o trabalho do lar, ordenham vacas, fazem manteiga e queijo, vão à fonte buscar água, servem o marido à mesa, trabalham nos campos, deitam-se mais tarde e levantam-se mais cedo que os homens. (...)
(...) Assustado com o crescimento populacional, o economista inglês Thomas Robert Malthus propõe o casamento tardio e a continência absoluta, solução que logo se revela irrealista.
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(...) O adultério feminino é punido com pena de reclusão e dá ao marido o direito ao divórcio, enquanto o masculino é sujeito apenas a uma multa. O pai tem sobre os filhos muito mais direitos do que a mãe.
A prostituição é combatida e circunscrita aos bordéis. Paradoxalmente, floresce como nunca. Alguns bordéis são conhecidos por suas especialidades: flagelações, "câmaras de tortura", sodomia, sexo coletivo, mulheres grávidas e outros itens. Surgem as "casas de acomodação" ou maison de rendez-vous, frequentadas por prostitutas e por mulheres casadas que têm encontros com amantes. Nessa época, a jovem se prostitui, em geral, porque precisa de dinheiro para viver bem ou por ser uma operária que precisa de complementação salarial para sobreviver. (...)
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(...)
Com a propagação das doenças sexualmente transmissíveis há, nos bordéis, uma crescente demanda por prostitutas virgens, que se supõe serem limpas, ou mesmo que o intercurso com elas efetue a cura dos sifilíticos. Certos bordéis têm seus próprios médicos para o fornecimento dos certificados de virgindade que os clientes costumam pedir. (...)
Em 1885, porém, os bordéis são considerados ilegais ea prostituição organizada passa a constituir crime. No entanto, a prostituição não é erradicada.
A masturbação é combatida como causadora de sérias perturbações físicas e mentais. (...)
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(...)
Na pintura, os nus são “vestidos" com folhas de parreira em suas partes genitais e as telas consideradas muito "naturalistas" são retiradas dos museus. Na literatura, no início do século XIX há uma breve voga do "homem fatal" no estilo byroniano, substituído no meio do século pela “mulher fatal”, antítese do “anjo do lar”, dominadora e disposta a destruir o homem amado.

MARXISMO X CAPITALISMO
Em 1848 os alemães Karl Marx e Friedrich Engels publicam o Manifesto comunista denunciando as desigualdades produzidas pela sociedade de classes e concitando os operários do mundo inteiro a se unirem contra a opressão capitalista. Essa conclamação ecoa na Europa por toda a segunda metade do século XIX através de associações de trabalhadores e sindicatos operários.
O marxismo credita a superioridade do homem no casamento ao capitalismo e á supremacia econômica masculina. Os marxistas acreditam que, após a superação do sistema capitalista, surgirá uma nova geração de homens e mulheres livres que criarão suas próprias normas e costumes sexuais, independentemente de situações financeiras e baseadas em afeição, simpatia mútua e desejos individuais (Engels, 1977). Mas, segundo Muraru (1993, p. 131), “Marx não
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consegue ver a especificidade da opressão da mulher e nas poucas vezes que se refere à maior miséria das operárias (levando-as inclusive à prostituição), culpa-as inconscientemente por seus maus princípios morais”. Quanto ao sexo, para Marx e Engels trata-se de assunto particular do indivíduo, e não do Estado.
No mundo capitalista, no mesmo ano de 1848 nasce o primeiro movimento sufragista de mulheres num encontro de mulheres norte-americanas realizado em Seneca, Falls, Estados Unidos. O movimento reivindica a volta da mulher ao domínio público, exigindo a plena cidadania por intermédio do voto, da melhoria da educação feminina e da ampliação dos direitos legais das mulheres. Pouco a pouco a questão feminina vai tomando corpo na luta contra o patriarcado, pela admissão de mulheres nas universidades, por melhores oportunidades de trabalho e para receber a custódia dos filhos em caso de divórcio. Também se juntam à luta pela abolição escravatura americana, às lutas sindicais do movimento operário geral, à luta pela paz. Muitas vezes há conflitos ideológicos entre mulheres de classe média e mulheres operárias. O movimento é fortalecido na segunda metade do século, com a expansão do setor de serviços, que leva ao nascimento de novo tipo de mulheres trabalhadoras, como datilógrafas, telefonistas, secretárias, balconistas e professoras primárias, entre outras.
BRASIL SEC XIX
O Brasil do século XIX apresenta uma classe dominante formada por brancos europeus e classes subordinadas compostas de caboclos, negros e mulatos. As relações sociais e a vida familiar são essencialmente patriarcais. As mulheres ricas vivem reclusas, ocupam-se de bordados ou arranjo de flores, tocam música ou entregam-se à indolência. Apenas em 1879 as instituições de ensino superior se abrem às mulheres, mas a desaprovação social das universitárias é muito grande. Outras mulheres trabalham na agricultura e nas pequenas manufaturas domésticas, contribuindo para o sustento da casa.
O adultério é considerado falta grave e sujeito a várias punições para ambos os sexos, mas a mulher é colocada numa situação jurídica inferior. Mais mulheres movem ações de divórcio que homens, muitas delas denunciando a (...)
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Na impossibilidade de eliminar a prostituição, as autoridades médicas e policiais propõem o seu controle. Ademais, consideram a prostituição um "mal necessário" para a manutenção da estabilidade das famílias e da sociedade.
(...) A prática da prostituição de cativas por seus senhores, por exemplo, é eliminada somente com a Lei Áurea, de 1888, que liberta os escravos.
5. TECNOLOGIA DO SEXO: SABER E PODER
De acordo com Foucault (1990), a partir do final do século XVIII há uma explosão discursiva a propósito de sexo. Os discursos vão dos "ilícitos", indecentes, que denominam o sexo cruamente por insulto ou zombaria, aos discursos dos novos pudores, provocados como reação ao cerceamento das regras de decência. (...)
Para Foucault, emerge uma "tecnologia do sexo" inteiramente nova porque distanciada dos dogmas religiosos. O sexo passa a ser uma questão leiga, um negócio de Estado e um foco de disputa política por intermédio da economia, pedagogia, medicina e direito. (...)
O eixo da economia tem como objetivo a regulação espontânea ou planejada dos nascimentos em razão do crescimento demográfico iniciado no século XVIII. A "população" é vista como questão econômica e política, como mão-de-obra, capacidade de trabalho, produção de riqueza. É necessário analisar as taxas de
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natalidade e mortalidade, alimentação, moradia, , idade do casamento, nascimentos legítimos e ilegítimos, precocidade e periodicidade das relações sexuais, incidência das práticas contraceptivas. Passa-se para um discurso no qual a conduta sexual da população é tomada como objeto de análise, contabilidade, regulação e intervenção. O sexo deve ser administrado e surge a "socialização das condutas de procriação". É uma socialização econômica (medidas para frear a fecundidade dos casais); política (responsabilidade dos casais em relação ao corpo social); e médica (valor patogênico as práticas de controle de natalidade).
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A medicina, terceiro eixo da "tecnologia do sexo", tem como objetivo a fisiologia sexual feminina. O corpo da mulher é analisado, qualificado e desqualificado como corpo integralmente saturado de sexualidade. Esse fenômeno é conhecido como histeria ou ”doença dos nervos”. (...) Na Inglaterra, médicos sustentam que as mudanças nas aspirações femininas representam um perigo para a sociedade, visto que o desenvolvimento do cérebro pode definhar seu útero, tornando-o incapaz de procriar. (...) A função política da histerização da mulher é relativa à sua responsabilidade com a saúde dos filhos, à solidez da instituição familiar e à salvação da sociedade.
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Na primeira metade do século XX, boa parte do mundo estava sob o regime socialista. Os pressupostos marxistas e leninistas são a erradicação da sociedade de classes e a passagem dos meios de produção para toda a coletividade. A condição da mulher nesses países atravessa várias fases. Em 1917, na Rússia (mais tarde União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, URSS), os revolucionários criam leis libertando as mulheres da dominação masculina e obrigando igual pagamento para trabalho similar. O Estado oferece cuidados pré-natais, constrói creches, abole o conceito de filhos ilegítimos e facilita o divórcio. Mas, no final da década de 20, com a ascensão de Josef Stalin ao poder, há uma volta aos valores tradicionais da família e instala-se uma política pró-natalista e uma moral puritana.
No mundo capitalista, a Alemanha nazista é palco da dominação mais extrema da mulher. (...) O partido passa a controlar o domínio privado: arranja os casamentos, dá prêmio às famílias que têm novos filhos homens, proíbe o planejamento familiar, considera o aborto crime sem remissão, facilita o divórcio apenas para os homens, esteriliza as prostitutas e mulheres deficientes, oferece contribuição dos Estado para os casais cuja mulher trabalha fora, para que ela deixe de fazê-lo. Com a iminência da Segunda Guerra Mundial (1939-1945), Hitler incentiva novamente as mulheres a integrar a força de trabalho. Em decorrência da guerra, as mulheres são obrigadas a trabalhar nas fábricas e setores perigosos. Outras vão com as tropas para os países ocupados, com a finalidade de engravidar e doutrinar seus filhos com a ideologia nazista. Constroem-se campos especiais para mulheres solteiras, que são visitadas por homens e, quando engravidam, são transferidas para lares de mães solteiras. (...)
O lançamento da primeira bomba atômica em 1945 inicia a era tecnológica. A energia nuclear muda novamente a relação do ser humano com a natureza. Surgem os antibióticos, a engenharia genética e, nos anos 50, a televisão e o computador.
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No decorrer do século XX, o amor torna-se a base do casamento e do modelo cristão de vida conjugal. Da popularidade de Hollywood nos anos 20 até a influência da televisão, sustenta-se a imagem do casamento como o objetivo natural da mulher, a culminação glamourosa e romântica da sua vida. (...) Estavam arrumadas, impecáveis e dispostas a atender o galã, desde os chinelos até a cama" (Bustos, 1 990, p. 34). O lugar e o destino da mulher estão no lar, não por falta de opções, mas porque precisa devolver o emprego ao marido que está voltando da guerra. E, mais que tudo, a mulher está voluntariamente atada à vida familiar pelo “mágico poder do amor”.
Nessa época, os Estados Unidos tornam-se a primeira potência mundial. A sociedade produtiva passa a ser uma sociedade de consumo.
Na passagem para o século XX, o sexólogo Havelock Ellis desenvolve importantes estudos sobre as diferenças sexuais em diversas culturas. Ao observar, por exemplo, o decoro em várias culturas, mostra que ele está mais presente em povos primitivos do que nos desenvolvidos, e prevalece entre indivíduos de classe baixa. Mais tarde, Ellis diz também que, embora "não saibamos exatamente o que é o sexo, [...] sabemos sim, que ele é instável, que existe a possibilidade de um sexo se transformar no outro, que suas fronteiras muitas vezes variam e que existem muitos estágios entre o extremo masculino e o extremo feminino" (Ellis, 1933, p. 225).
A partir de 1938, o americano Alfred C. Kinsey e colaboradores realizam pesquisas sobre sexo na população americana e publicam seus primeiros e controversos relatórios. Kinsey define a sexualidade como uma função biológica normal, aceitável sob qualquer forma em que se apresente, e demonstra que um grande número de mulheres norte-americanas não conhece o orgasmo ou está profundamente insatisfeita (Kinskey e outros, 1953).
No início da década de 50, um ex-soldado americano, George Jorgesen, faz cirurgia em Copenhague e muda de sexo, tornando-se uma dona de casa chamada Christine Jorgesen. Na primeira metade do século a luta das sufragistas continua, conquistando o direito de voto em cada país.
No mundo comunista, depois da Segunda Guerra Mundial, a condição das mulheres piora. Têm agora dupla jornada de trabalho. A maioria delas
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trabalha em serviços pesados e somente uma minoria torna-se especializada em ciências e técnicas. Durante as décadas seguintes, a situação dessas mulheres começa a melhorar. A União Soviética torna-se a segunda potência do mundo.
Em Paris, em 1949, a escritora francesa Simone de Beauvoir lança o livro O segundo sexo, o primeiro estudo consistente da mulher sob o patriarcado. Nos Estados Unidos, na década de 50, surge o movimento beatnik, como reação ao puritanismo repressor da sociedade americana.
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Até a década de 60 ocorre uma discriminação muito forte entre os universos masculino e feminino dos jovens. Nos bairros tradicionalmente populares de Paris, por exemplo, a diferenciação dos papéis e das atitudes sexuais dos jovens se faz em torno da contraposição exterior/interior. Aos rapazes cabe tudo o que é exterior. A partir dos 12, 13 anos, os jovens vivem a maior parte do tempo na rua e praticam masturbação coletiva. Mais tarde, podem encontrar no bairro uma mulher mais velha que se encarrega de iniciá-los sexualmente. Mais raramente, todos os membros da turma, estupram uma “moça fácil”. Já homens, continuam a demonstrar um desprezo por sua vida familiar, agora composta de esposa e filhos. Em contrapartida, às moças cabe tudo o que é interior. Desde cedo aprendem a administrar uma casa e cuidam dos irmãos. As adolescentes já saem para o pátio do prédio ou para fazer visitas a familiares ou amigos. Quando mais velhas, ficam noivas e têm a missão de fazer com que os noivos abandonem a "vida de rua" e procurem um emprego estável. A fase posterior é o casamento , que ocorre geralmente quando nasce um filho. No universo doméstico, o homem é o primeiro a ser servido, mas nem por isso tem muita voz ativa. Além da mulher que reina na casa, há outros tipos de mulher, como a “mina” ou a “gatinha” que é roubada dos colegas à saída do colégio, ou aquela que é paquerada no cinema, nos bailes ou nos cafés; a “gorda”, que é simples objeto sexual, (...)