terça-feira, 25 de outubro de 2011

Sexualidade feminina (SEIXAS, Ana Maria Ramos)

SEIXAS, Ana Maria Ramos. Sexualidade feminina. História, cultura, família – Personalidade e psicodrama. São Paulo: SENAC, 1998.

http://books.google.com.br/books?id=P_BZ3SMOb48C&pg=PA32&dq=mulheres+revolu%C3%A7%C3%A3o+antigo+egito&hl=pt-BR&ei=IjqjTqCcJ5C5tget6P2jBQ&sa=X&oi=book_result&ct=book-preview-link&resnum=1&ved=0CDQQuwUwAA#v=onepage&q=mulheres%20revolu%C3%A7%C3%A3o%20antigo%20egito&f=true

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EGITO (4241 a.C a 523 a.C)
Nos primórdios da civilização egípcia, a cultura é matricêntrica ea transmissão do trono é matrilinear. Homens e mulheres têm os mesmos direitos e na maioria das vezes o poder é exercido pelas mulheres dos faraós, reduzidos ao (p. 32) papel de príncipes consortes. Como inexiste o tabu do incesto, os casamentos na família real e nas classes superiores são realizados entre irmãos, que acabam reinando juntos. O casamento consanguíneo tem duplo significado: um de caráter religioso, pois os príncipes são descendentes de divindades como Íris e Osíris; outro de natureza econômica, com o objetivo de conservar os bens familiares, uma vez que somente os parentes de sangue da mulher têm direito à herança. O casamento oficial é reservado à aristocracia, e as mulheres ocupam posições elevadas como sacerdotisas, negociantes e guerreiras. Alguns exemplos: a rainha da Primeira Dinastia, Meryet-mit, em 3000 a. C.; a rainha Ahotep, quem em 1554 a.C. rechaça a invasão dos hicsos; e Nefertiti, rainha do Egito em 1300 a.C.
Por volta de 1500 a.C., no entanto, os chefes militares lideram uma revolução social que elimina o poder das mulheres e procura melhorar a situação da plebe, sem questionar as diferenças entre os reis e o povo. Instala-se o patriarcado, o homem passa a moldar a sociedade e os faraós constroem para si túmulos suntuosos, que atravessam os milênios. Segundo a lei egípcia, homens e mulheres são iguais, mas na realidade a igualdade é inexpressiva para a maioria das mulheres ea independência econômica só é possível através da herança.
Para a mulher, "as únicas profissões que se auto-sustentavam parecem ter sido as de dançarina e musicista que, com grande frequência, requeriam um talento para a prostituição, bem como para a música. Do contrário, a mulher tanto podia ser esposa ou escrava, dependendo do homem de sua casa” (Tannahill, 1983, p. 65).
A criação do Universo, no antigo Egito, assume várias formas, inclusive como resultado do coito ou da masturbação masculina. O falo passa a ser cultuado e, durante os rituais sagrados, nos templos, sacerdotisas mantêm relacionamento sexual com os fiéis e para tanto são por eles remunaeradas. São as “prostitutas sagradas”. As demais prostitutas, as comuns, geralmente escravas ou mulheres vendidas pelos pais ou irmãos com os quais tiveram relações sexuais, trabalham em bordéis administrados pelo Estado.
Os casamentos no antigo Egito ocorrem muito cedo: às vezes, o cônjuge não tem mais de 6 anos de idade. Durante o terceiro milênio antes de Cristo, a poliginia (poligamia masculina) é frequente, mas o homem possui apenas uma esposa legal, associada ao culto. Todos os filhos são legítimos, mas as outras (p. 33) esposas são privadas de quaisquer direitos. Com o tempo, exceto entre os faraós, esse regime vai sendo substituído pela monogamia, principalmente em consequência da impossibilidade financeira do homem de sustentar várias famílias. Mas são permitidas concubinas e escravas suplementares.
(...)
Quanto ao adultério, a mulher pega em flagrante pode ser queimada até a morte. Sem o flagrante, basta que jure inocência. Assim como os homens, as mulheres podem pedir o divórcio, embora o motivo mais comum seja a esterilidade da mulher.
No século I a.C., uma nova rainha egípcia merece destaque: Cleópatra, esposa de seu irmão Ptolomeu, que, menos pelo fato de ser bela, como apontam alguns, e mais por suas qualidades como guerreira, ameaça a hegemonia do Império Romano, defendendo seu país com a própria vida.

Mesopotâmia (4000 a.C a 536 a.C)
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Na babilônia (...) a posição da mulher é inferior à do homem do ponto de vista legal e social. As leis de Hamurabi, entretanto, reconhecem certos direitos da mulher, como receber parte da herança paterna. As mulheres babilônicas também possuem esfera de ação mais ampla que a das egípcias, tendo trabalhos como cozinheiras, fiandeiras, tecelãs, carregadoras de água, vigias de lâmpadas, babás, cabeleireiras, estenografas, balconistas, cervejeiras, cantoras, advinhas, nigromantes. As sacerdotisas naditu são tão comerciantes quanto os homens.
O casamento na Babilônia é oficial e consumado pelas meninas freqüentemente aos 1 1 ou 12 anos, e na ocasião elas recebem um dote do pai. A união é monogâmica e tanto o homem como a mulher podem ter um cônjuge de cada vez. Mas, dependendo da condição econômica, o homem pode ter concubinas e esposas secundárias. De acordo com a lei, se a esposa legal for estéril, cabe a ela proporcionar ao marido uma substituta fértil.
O divórcio é privilégio dos homens e o adultério feminino é, às vezes, punido com a morte. Caso a esposa seja estéril ou perdulária, o marido pode pedir o divórcio ou rebaixá-la à condição de escrava. No século V a.C., toda mulher babilônia, uma vez na vida, deve entregar-se a um estranho no Templo de Milha, em troca de uma moeda que ela oferece ao tesouro do templo. Em seguida volta ao lar, para viver castamente. A prostituição não carrega nenhum estigma e, assim como no Egito, também existem prostitutas sagradas, que atuam como intermediárias entre o fiel e a divindade. Esse tipo de prostituição pode ter origem nos rituais de fertilidade, e o dinheiro arrecadado certamente representa parte substancial da renda dos templos. As prostitutas comuns vivem nas ruas e lugares públicos, onde são colocadas pelos pais. São mulheres que preferem abandonar os maridos ou que, de alguma maneira, sentem-se forçadas a ingressar na prostituição.
No mundo assírio (1500 a.C. a 625 a.C), eunucos (homens castrados) "guardam" as mulheres da nobreza, como garantia de fidelidade e segurança. Segundo a legislação, o marido que surpreender a mulher em adultério tem liberdade para matar o casal ou apenas decepar o nariz da mulher e castrar o homem.
(...)
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Grécia (1600 a.C. a 146 a.C)
As mulheres gregas estão relativamente em pé de igualdade legal e social com suas contemporâneas orientais: são consideradas inferiores aos homens e constituem propriedade dos pais. Tanto que o pai pode vender a filha como escrava ou prostituta caso perca a virgindade, mesmo por estupro. A autoridade paterna passa para o marido ou para o irmão mais velho se a mulher não se casar. Também são vistas como procriadoras por excelência.
Em Atenas, as mulheres não têm mais direitos políticos e legais do que os escravos e não recebem educação formal. As casas dos poderosos possuem recintos distintos para homens e mulheres (o gineceu), e as mulheres só podem sair de casa para ir aos ritos sagrados e funerais. Raramente recebem permissão para ir ao teatro ou ao festival exclusivo para mulheres.
Já em Esparta, as mulheres possuem maior autonomia, embora continuem sem direitos políticos e sejam consideradas inferiores aos homens. A autonomia feminina tem origem na infância, quando meninas e meninos são educados conjuntamente em atividades guerreiras. Além disso, os homens ficam afastados de casa por longo tempo, em manobras militares, facilitando essa autonomia.
A maior liberdade da mulher espartana está refletida até na indumentária. Ao contrário das atenienses, que vestem volumosas e complicadas túnicas, as espartanas usam túnicas curtas, que permitem agilidade de movimentos. A esposa espartana não fica confinada ao lar do marido, que é autorizado apenas a fazer-lhe furtivas visitas noturnas. Ela lhe pertence tão pouco que, em nome da eugenia, outro homem pode unir-se a ela. Como os filhos pertencem a todas mulheres da cidade, elas não são escravizadas a um senhor e nenhum constrangimento lhes limita a liberdade.
Para reforçar a beleza feminina, os gregos obtiveram significativos progressos na confecção de espartilhos e inventaram o sutiã meia-taça. As mulheres usavam cintas e enchimentos modeladores, máscaras faciais e maquiagem, como tintura de algas nas pálpebras. Na tragédia grega, ocupam um espaço relevante,
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freqüentemente como figuras principais: Medéia, Electra, Afrodite, Helena de Tróia, Penélope e muitas outras.
Na Grécia, os casamentos são arranjados pelos pais, e o noivo paga um preço pela noiva. A mulher casa-se com pelo menos 16 anos e o homem com 30. O objetivo do matrimônio freqüentemente é solidificar alianças entre famílias poderosas, e o pai da noiva realiza torneios para escolher um marido forte e corajoso.
A esposa ateniense ocupa uma posição decorativa, reduzida a fiscalizar os filhos e os serviçais. Não faz refeições à mesa com o marido, perdendo oportunidade de ouvir conversas sobre cultura e assuntos públicos. Sexualmente deve ser fria, não demonstrando interesse pelo sexo e submetendo-se ao marido, pois seu dever é gerar filhos. Como o marido raramente a procura, as questões que envolvem aborto ou anticoncepcionais são secundárias. Nos períodos de crescimento populacional, entretanto, é comum o infanticídio, principalmente de meninas.
(...)
É difícil para a mulher grega travar conhecimento com algum homem que não seja o marido ou um parente. Mas se ela comete o adultério, é rejeitada pela sociedade e, como punição, perde seus direitos de cidadã. O marido pode pedir o divórcio, matar o sedutor, exigir dele uma multa ou ainda vender a mulher como escrava.
Pode ocorrer, também, de o marido repudiar a esposa sem motivo. A mulher, ao contrário, só pode recorrer ao divórcio em caso de extrema provocação, o que não inclui pederastia e adultério. O homem pode ter concubinas e recorrer a palákinas, hetairas e prostitutas de bordel ou de rua.
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As palákinas substituem a esposa no leito do marido quando a mulher está doente, indisposta, grávida ou convalescente de parto. As hetairas são cortesãs de alto nível - belas, educadas, cultas, talentosas, inteligentes -, treinadas para o ofício desde a infância. O que os homens atenienses mais apreciam nelas é o fato de poderem conversar no mesmo nível que eles, constituírem companhia de alta classe para seus amigos e terem um bom desempenho sexual, ou seja, tudo aquilo que eles impedem que suas esposas aprendam.
(...)
Há hetairas que têm certa participação na política mas não são cortesãs, como Astenia e Axiotéia, alunas de Platão que freqüentam a Academia e o Liceu, ou como Aspásia, Frinéia e Laís, que reivindicam a valorização da mulher não apenas como mãe de família. Há também poetisas, como Safo e Corina. Na realidade, pode-se dizer que as hetairas, cortesãs ou não, constituem o primeiro grupo de mulheres na história a alcançar um relacionamento pacífico com os homens, sendo admiradas tanto por seu corpo quanto por sua mente.
As concubinas, na escala social, estão abaixo das hetairas e não têm nenhuma segurança: quando o senhor se cansa delas, são vendidas para os bordéis. Os primeiros bordéis atenienses surgem no início do século VI a., mas só começam a prosperar por volta do século IV a.C.
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(...) Aristóteles, naturalista que é, considera “natural” a inferioridade da mulher em relação ao homem, devendo viver fechada em sua casa e subordinada a ele. (...) a mulher, com seu sangue menstrual, tem um papel passivo no processo de gestação, enquanto o homem, com seu esperma viril, um papel ativo, ou seja, apenas o homem é o criador. Aristóteles diz ainda, em seu tratado, A geração dos animais, que “a fêmea é, por assim dizer, um macho mutilado” (Reuther, 1977).

ROMA (753 a.C. a 746 a.C.)
O povo romano tem origem nos etruscos, que são matrilineares e matrilocais. As mulheres são sexualmente livres, atléticas e boas bebedoras, e os meninos e meninas são educados igualmente. Depois da fundação de Roma, a sociedade romana passa a ser patriarcal. O chefe de família tem direito de vida e morte sobre os membros do clã, podendo igualmente vendê-los como escravos. A falta de reconhecimento da mulher como indivíduo reflete-se no fato
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de ela não ganhar um nome próprio. Se seu pai se chama Júlio, seu nome será Júlia Primeira, a irmã será Júlia Segunda, e assim por diante.
Espera-se que a mulher permaneça virgem, a tal ponto que o pai e o marido têm o direito de matar a filha ou a esposa que não forem castas. No entanto, a mulher romana é um pouco mais emancipada que suas contemporâneas. Como os homens passam longo tempo fora de casa guerreando, as mulheres são obrigadas a cuidar dos filhos e da casa e a desempenhar um papel ativo nos negócios da família.
A esposa é senhora do lar, companheira do marido, participa das refeições, vai às festas e ao teatro, sai para fazer compras, visitas e passeios e toma parte em reuniões políticas. Em decorrência, possui consciência do próprio valor e auto-estima. Algumas destacam-se por suas qualidades, como Sabina, que se tornou célebre por suas boas ações; Plotina, que partilhou a glória e as responsabilidades de Trajano; Virgínia, que foi admirada por Marcial como esposa irreprovável e mãe dedicada.
Na antiga lei romana, a idade mínima para o casamento era 12 anos para a menina e 14 para o menino. Havia basicamente três formas de casamento. A primeira equivalia a um casamento atual na Igreja católica - com cerimônia e difícil de ser dissolvido. A segunda assemelhava-se a uma moderna cerimônia civil, para aqueles que não podiam desperdiçar dinheiro em festas. Em ambos os casos, a noiva oferecia ao marido, obrigatoriamente, um dote e bens, se possuísse, e passava a pertencer inteiramente à família dele, a tal ponto que, se cometesse algum crime conjugal, era ao conselho da família dele que deveria responder. A terceira forma de casamento era aquela na qual homem e mulher viviam juntos com consentimento mútuo; a esposa e suas propriedades não ficavam sob o controle do marido, e somente depois de um ano de associação contínua eram unidos legalmente.
O casamento era rigorosamente monogâmico, tanto para o homem como para a mulher. O adultério feminino era punido severamente, inclusive com a pena de morte. O adultério masculino era igualmente punido, porém de forma mais branda. O incesto e o estupro também eram considerados crimes pela legislação romana.
(...)
IDADE MÉDIA (476 a 1453)
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No início da Idade Média as mulheres constituem uma reserva de força de trabalho enquanto os homens estão na guerra. Em geral, elas fiam, tecem, cuidam dos animais e das hortas. Como os homens estão ausentes em atividades militares, são elas que recebem melhor educação e cultura. Durante algum tempo adota-se o costume de usar o nome de família da mulher, e não do marido.
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(...) Hroswitha de Gandersheim, do século X, por exemplo, é considerada a única escritora da Europa por cinco séculos, e a caridosa e ativa Santa Catarina de Siena prega de cidade em cidade a submissão ao papa e mantém vasta correspondência com bispos e soberanos.
Aos poucos, o cristianismo vai-se tornando patriarcal, fazendo prevalecer as instituições sobre o amor e submetendo o oprimido a valores espirituais. Em consequência, as mulheres perdem a participação igualitária. A posição legal e social da mulher da era cristã é praticamente a mesma que da Antiguidade, pois a liberdade oferecida pelo cristianismo é somente espiritual. As esposas, na definição cristã, são fracas, frágeis, lentas de entendimento, emocionalmente instáveis, fúteis, hipócritas e indignas de confiança no que diz respeito às questões públicas. Além disso, representam uma ameaça sexual. São Pedro diz que as mulheres devem ornamentar-se com a riqueza de um espírito sossegado e gentil, e não com roupas finas, cabelos trançados, braceletes de ouro. A Igreja usa publicamente as mulheres convertidas em seus trabalhos de caridade e evangelização; todavia, impede qualquer mulher de praticar os cultos religiosos.
A moralidade cristã é investida de autoridade religiosa e social, e os padres utilizam uma ameaça eficaz: o fogo do inferno. Durante um período conhecido como Obscurantismo, a instrução e a aprendizagem se tornam privilégio dos mosteiros, que reproduzem a visão preconceituosa dos padres da Igreja sobre a vida e a sociedade.
O cristianismo é severo coma mulher, começando por sua interpretação do Antigo Testamento: Eva é a segunda na ordem da criação (é feita a partir da costela de Adão) e é a origem do pecado, dos sofrimentos e de todos os males (é ela quem tenta Adão). A mulher e o prazer são instrumentos do diabo, destinados a afastar o homem de Deus e da transcendência. Deus é sexualizado na figura de Cristo-homem, enquanto a mulher é valorizada apenas na figura de Maria, enaltecida especialmente por permanecer virgem apesar de ser mãe de Cristo.
O celibato é exaltado pelo modelo de casamento de Maria e José, sem relações sexuais, pela virgindade de Maria e pelo exemplo de Jesus, que viveu solteiro. O celibato torna-se o símbolo da moral e é considerado estado superior ao casamento, por não acarretar obrigações que possam interferir na devoção ao Senhor. A Igreja, na verdade, deseja a castidade, que permitiria ao homem alcançar o estado de graça do Jardim do Éden.
(...)
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Os partos são sempre dolorosos e frequentemente mortais. (...)
A contracepção é vista como o pecado maior do sexo. O coito interrompido, o sexo anal e oral e as substâncias anticoncepcionais são considerados práticas tão graves como o homicídio, acarretando penalidades de três a quinze anos de prisão. (...)
O aborto é proibido, mas é menos pecaminoso que a contracepção se cometido até quarenta dias a contar da concepção (antes que o feto tenha adquirido alma humana). O infanticídio feminino também é praticado.
O divórcio é quase impossível, e a homossexualidade e a masturbação são consideradas pecados, apesar de se constatar a presença de dildos. A prostituição é proibida, mas floresce por todo lado. No século XI é decretada a castidade absoluta do clero, mas os sacerdotes continuam a ter concubinas abertamente ou de modo clandestino.
A Igreja, com essa postura diante da sexualidade, cobre todos de culpa, sejam solteiros, casados ou sacerdotes. Rejeita o desejo , impõe limites e regras à vida sexual, estabelece proibições, administra castigos e transforma todos em pecadores. Pecadores que ficam a sua mercê, uma vez que somente ela possui a chave da redenção, através da penitência. Assim, a forma de manter o controle é a confissão.

O AMOR CORTÊS OU PALACIANO
Na primeira metade do século XII surge na literatura o conceito de "amor cortês" ou "amor palaciano". É uma novela sentimental, geralmente um caso amoroso idealizado entre uma dama de alto nascimento e um cavaleiro romântico. É cantado e decantado por trovadores, poetas, líricos e músicos.
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O amor cortês coloca a mulher num pedestal de pureza e idealização, associando o poder enobrecedor e platónico do amor com os ideais de fidelidade. Surge, então, a idéia do amor espiritual do jovem trovador ou do herói cavaleiro por sua dama, que é uma figura pura, estática, inacessível. Sexualmente, é a exaltação da frieza. O amor palaciano será, mais tarde, um conceito literário e dos costumes, o amor romântico.
Na Europa, a expansão da Mariolatria acompanha aceitação social do amor cortesão. Há um aumento do culto à Virgem e a progressiva elevação de sua figura. Posteriormente, poetas e trovadores começam a confundir a Virgem com a Dama, o amor sagrado com o profano, e a Virgem se torna Notre Dame. A mulher se transforma em dama honorável ao menos na imagem. No entanto, a Virgem é honrada por suas virtudes e não por ser uma personalidade pensante, de qualidades próprias.
FEUDALISMO E HUMANISMO
Entre os séculos XI e XIV desenvolve-se na França e depois em toda a Europa o feudalismo – regime político e social baseado no usufruto da terra por pequenos proprietários em troca da prestação de serviços e de obediência ao dono das terras. Nesse período, durante os séculos XII e XIII, surge na Itália o humanismo, movimento que cultiva o gosto pelo estudo das culturas grega e latina.
A tradição verbal, no século XIII, é substituída por leis escritas, que conferem direitos aos homens e impõe restrições às mulheres, que são excluídas da cultura e da política. Apenas na Itália e na Espanha as mulheres podem estudar junto com os homens, e algumas se tornam grandes figuras intelectuais, como as
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médicas Ana Comnena (fundadora de uma escola de medicina) e Trótula (autora de importantes trabalhos sobre ginecologia e obstetrícia). Mas, com o correr do tempo, elas também são afastadas. Com o feudalismo, a mulher não mais ocupa o lugar do marido quando ele falta, função agora exercida pelo governo central.
O estatuto jurídico da mulher sofre significativa deterioração. A maioria dos costumes, por exemplo, concede ao homem o direito de bater na mulher. Ela é também declarada incapaz de cumprir as obrigações de vassalagem, é excluída do trono da França e considerada inapta para transmitir os direitos à coroa.
"Como saída para suas frustrações, as mulheres começaram a interessar-se por movimentos heréticos, como os cátaros (do sul da França). Entre os séculos XII e XIII, elas se juntaram também em comunidades autônomas - o Movimento das Beguinas, grupos de mulheres leigas celibatárias que fugiam à dominação patriarcal e que, ao mesmo tempo, ameaçavam a autoridade masculina dos padres da Igreja” (Muraro, 1993, p. 106). Entretanto, nenhum desses movimento frutifica.
(...)
No século XIII, Santo Tomás de Aquino admite o amor carnal entre marido e mulher, reabilitando o prazer como consequência do ato conjugal, desde que tenha como fim a reprodução. Para ele, a mulher é um ser incompleto e "o homem é a cabeça da mulher, assim como Cristo é a cabeça do homem” (Beavoir, s. d., p. 119).
Santo Tomás de Aquino e outros ficam convencidos da existência de demônios: íncubos (demônios masculinos que copulam com mulheres adormecidas) e súcubos (demônios femininos que copulam com homens adormecidos), os quais são capazes de engravidar as mulheres que visitam.
Esse período registra uma mudança nos contratos sociais: as altas quantias pagas por uma noiva são substituídas por dotes oferecidos às famílias dos noivos. Mulher sem dote está condenada a viver solteira. Nobres e reis deserdam filhas para não terem diminuídas suas propriedades. Em compensação,decresce o infanticídio feminino.
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(...) no final do século XII a Igreja cria um poderoso e horripilante instrumento de coerção: a Santa Inquisição. É somente mais tarde que a Inquisição passa a perseguir as heresias religiosas. O Concílio de Latrão, em 1215, estabelece a confissão obrigatória e regulamenta o sacramento da penitência. A confissão passa a figurar entre os rituais mais importantes da Igreja. O desejo sexual é considerado demoníaco e a mulher atraente e sedutora é suspeita de exercer bruxaria e manter relações carnais com o diabo. (...)
A outra vertente da feitiçaria é constituída por mulheres solteiras ou viúvas, pobres, feias, com idade entre 50 e 70 anos, faladeiras, curandeiras que preparam poções mágicas e "se transportam pelos ares em vassouras" ou parteiras de aldeia “que necessitam de um suprimento regular de recém-nascidos para seus banquetes”. As bruxas são responsáveis também por doenças desconhecidas, como manchas cutâneas e crises epilépticas, e por acidentes climáticos, como tempestades, geadas, secas e incêndios.
Tem início a grande caça às bruxas européias, condenadas a morrer na fogueira. Centenas de milhares de pessoas morrem queimadas, principalmente entre os séculos XIV e XVIII, sendo 85% mulheres. É um dos maiores genocídios da história da humanidade. Entre as feiticeiras mortas na fogueira está Joana d'Arc (...)
Muitas das mulheres queimadas são as que praticam cuidados com a saúde - curandeiras, parteiras, médicas, cirurgiãs, farmacêuticas, que trabalham gratuitamente ou para seu sustento. Assim, destrói-se o que resta do saber feminino.
Após a época de “caça às bruxas”, as mulheres perdem o direito de herança e, em alguns países, o direito de acesso ao trono. Dessa forma, implanta-se uma situação jurídica de tutela sobre a mulher.
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Na Alta Idade Média (século XIV) aparece o cinto de castidade, estrutura metálica que é passada entre as pernas da mulher e fechada sobre as ancas, com duas pequenas aberturas para as necessidades fisiológicas, impedindo a penetração. Originalmente, o cinto de castidade pode ter sido destinado à proteção contra o estupro, comum nos tempos medievais, mas certamente é mais utilizado por maridos ciumentos que, quando se ausentam, levam a chave.
A partir do século XIV, alguns teólogos toleram posições sexuais chamadas "não-naturais" durante o coito dos cônjuges; mas somente em casos especiais, como maridos muito gordos ou mulheres nos últimos meses de gravidez, para evitar que o acesso pela frente prejudique o feto.
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(...) Há vários prostíbulos, alguns conhecidos como "casarões", dirigidos por abadessas; termas, que servem como casas de encontro com uma prostituição permanente; bordéis particulares, mantidos por alcoviteiras, estalajadeiras e proxenetas. As prostitutas públicas ganham as ruas, tavernas, praças, portas de igreja. O fato de freqüentar esses bordéis não traz desonra alguma e ninguém vai às escondidas. São locais de vida alegre e saudável, não colocando em risco o equilíbrio da família.
(...) No final do século, com a crise econômica que se abate sobre a França, cresce o número de imigrantes e a prostituição aumenta significativamente. Esse fato produz uma legislação repressiva e as prostitutas passam a ser consideradas criminosas. Muitas são flageladas publicamente, e a prostituição foram dos bordéis pode ser castigada (Rossiaud, 1987).
Os estupros são freqüentes na França do século XV e apresentam uma forma característica: em geral são praticados por bandos de jovens de 18 a 24 anos que não têm problemas anteriores com a justiça, e as vítimas, que são arrastadas de suas casas durante a noite, são mulheres pobres, criadas, estranhas na cidade ou suspeitas de adultério (Flandrin, 1988)
(...)
REFORMA E CONTRA-REFORMA
A Reforma eo protestantismo surgem no início do século XVI, pelas mãos de Martinho Lutero e João Calvino, contra as arbitrariedades da Igreja. O movimento reformista modifica as relações homem/mulher e adulto/criança,
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elimina conventos e mosteiros e passa a haver escolas separadas para meninos e para meninas.
O sexo, para o protestantismo, é tido como natural e considerado menos pecaminoso se praticado a serviço de Deus. A virgindade é considerada indesejável eo prazer sexual é admitido, mas sempre dentro do casamento. A mulher, portanto, não é vista somente como geradora de filhos ou objeto para alívio dos desejos sexuais do homem, mas como companheira.
(...) O adultério, feminino e masculino, é condenado com veemência, mas o divórcio é admitido em alguns poucos casos, como, por exemplo, se a mulher recusar os direitos conjugais do marido, ou se um dos parceiros impedir o outro de levar uma vida piedosa. A prostituição é condenada. Do ponto de vista da ética individual, a religião protestante é puritana, santifica o trabalho e reprime a sexualidade. Os fornicadores e adúlteros são flagelados e obrigados a fazer confissão pública na igreja. Os considerados fracos de espírito são queimados como feiticeiros ou enforcados.
Para lutar contra o movimento protestante, a Igreja dá origem à Contra-Reforma e promove o Concílio de Trento (1545-1563), que retoma o esforço moralizador do Concílio de Latrão (século XIII). A Igreja da Contra-Reforma reafirma a virgindade como estado superior ao casamento, zela pela limitação do sexo à atividade procriadora, reforça a indissolubilidade do casamento monogâmico, mantém o celibato dos padres, condena a arte que exalta a luxúria e intensifica a perseguição às bruxas.
(...)
No século XVI a mulher passa a receber educação intelectual e artística e torna-se mais atraente. Surgem mulheres com expressão e destaque na sociedade, na economia e na política. Algumas são soberanas poderosas, como Hipólita Fioramenti, que comanda as tropas do duque de Milão e durante o sítio de Pavia conduz às fortificações uma companhia de grande damas. (...)
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As rainhas são sempre privilegiadas: Catarina de Médíeis, Isabel, a Católica, a rainha Margot. Ana da Áustria é cercada de mulheres cujos conselhos segue de bom grado. Santa Teresa d'Ávila extrai, de sua confiança em Deus, uma sólida confiança em si mesma, fundando mosteiros, administrando-os, viajando, empreendendo. Em 1545 surge a primeira atriz a marcar presença num palco. As amantes dos reis, reconhecidas como "favoritas", têm grande influência nas decisões políticas do país, a exemplo de madame de Pompadour e madame du Barry, no caso de Luís XV.
Aos poucos, homens e mulheres da aristocracia e da classe média começam a esboçar plácida afeição no casamento. Surgem livros preocupados em ensinar a namorar, a tratar a mulher de forma adequada, a obter amizade, companheirismo e paixão do relacionamento a dois, além da reprodução. É neste século que o anatomista Renaldo Colombo descobre o clitóris, definindo-o como órgão análogo ao pênis.
No mercantilismo, o arranjo desordenado e sem método da família medieval dá lugar a uma unidade familiar menor, mais autoritária e com menos membros temporários. No século XVI, a idade média de vida fica entre 25 e 30 anos, e uma criança pode ter duas ou três madrastas ou padrastos.
(...)
Os filhos recém-nascidos de mulheres abastadas são mandados para as áreas rurais para serem amamentados por amas-de-leite. Ou, como muitos bebês morrem por lá, as mães ricas que se preocupam com a sobrevivência dos filhos hospedam as nutrizes em suas casas e as impedem de ter relações sexuais com os maridos, a fim de evitar que uma possível gravidez interrompa o aleitamento. (...)
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No século XVI, uma epidemia de sífilis se dissemina pela Europa, contribuindo para diminuir o patrocínio de bordéis e de prostitutas de rua.
Nesse mesmo século, em Veneza, a sexualidade aparece nas canções populares e na história da vida eclesiática e monacal. (...)
Na Inglaterra e nos Estados Unidos, em contraponto a esse "desenvolvimento" da sexualidade feminina ocorre a ascensão dos puritanos, que perseguem violentamente as bruxas. A censura exercida sobre as mulheres é tão forte que a vida sexual feminina, imaginária ou real, jamais é discutida abertamente (...) Os poemas de algumas poetisas inglesas , por exemplo, pregam uma proibição sexual que se estende a todos os aspectos da vida da mulher: função coercitiva na maneira de falar, olhar, andar, imaginar, pensar. A castidade continua a ser a essência da feminilidade, agoa associada à passividade, ausência de poder e impotência. Como publicar seus próprios escritos é, para as mulheres, violar simbolicamente os princípios de reserva feminina e "tornar-se pública", algumas delas optam pelo anonimato (Goreau, 1987).
Há também o movimento do jansenismo, isto é, o renascimento das doutrinas agostinianas na Igreja Romana, pregando os prejuízos do pecado original e da luxúria à natureza humana, a preocupação moral e a repressão da sexualidade. (...)
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SEXUALIDADE NO BRASIL COLONIAL
No Brasil, no início do século XVI, desembarcam três mil portugueses, homens, para a tarefa da colonização. As mulheres brancas só vêm cerca de cinquenta anos depois. (...)
Reina a poligamia, incesto, bestialidade, subjugação de escravas pelos senhores, diferentes formas de cópulas, e inúmeros filhos bastardos na senzala.

Idade Moderna
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O divórcio é admitido não apenas por adultério e abandono, mas também por falta de afinidade entre os casais, e surge a possibilidade de um segundo casamento. Parece ter início um movimento para estabelecer a existência de seres com vontade própria e livre-arbítrio no que se refere às questões afetivas.
Os séculos XVII e XVIII marcam a época do racionalismo e a busca da verdade objetiva. Os racionalistas reprimem as emoções e expressam a sexualidade; fazem do galanteio uma prática que despreza a emoção e coloca o flerte e a sedução sob o governo do intelecto. Casanova e Dom Juan são os exemplos típicos de sedutores irresistíveis.
A libertinagem sexual torna-se o esporte preferido dos ociosos da corte, inclusive das mulheres. Em Versalhes, em especial, vive-se o "século da mulher": pintura e pó no rosto, cetins, sedas, jóias e maneiras requintadas e afetadas. A novidade não é a vaidade, mas a superficialidade teatral. O caso amoroso libertino compreende quatro estágios - seleção, sedução, sujeição e separação. A dama tanto pode ser uma nobre como uma dançarina.
O período assiste à segunda abertura, depois do protestantismo, na ética cristã, o mundanismo, que consiste no transplante do estilo de vida palaciano para as grandes cidades governadas por Estados absolutistas. É a "popularização" dos hábitos "decadentes" da aristocracia, assumidos por setores da burguesia aristocratizados e tornados modelo de "modernidade" para as populações urbanas.
Mas, ao contrário do protestantismo, o mundanismo iria atacar a visão da Igreja por um lado hoje mais atual: o lado do prazer imediato e do conhecimento por prazer, em contraposição à salvação eterna e ao saber revelado pelos dogmas. No mundanismo a mulher aristocrata assume o prazer sexual quase em igualdade de condições com o homem, aspira a ascender aos lugares ocupados pelo homem no mundo da política, das ciências e das artes, “reina” nos salões, nos bailes e em outros lazeres, mas em contrapartida rejeita a maternidade, a amamentação em primeiro lugar, mas também a criação e a atenção afetiva aos filhos (Almeida, 1987, p. 60).
O comportamento sexual do povo e o da burguesia se equivalem ao da nobreza. Mas as respostas ante as abordagens sexuais são muito diferentes, dependendo da classe social a que a pessoa pertence. A sedução de uma rica herdeira,
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por exemplo, pode terminar em duelo. Já uma moça pobre que sofre sedução pode acabar expulsa da família e condenada pela Igreja. Quando são mães solteiras, abandonam seus bebês em portas de igrejas e conventos.
A literatura expressa a depravação calculada do jogo amoroso. Um exemplo são as novelas do marquês de Sade, que dá seu nome à perversão sexual conhecida como sadismo, tipo de prazer sexual derivado da aplicação da dor. Outro exemplo é a inglesa Aphra Behn, que se torna escritora profissional e levanta sem rodeios a questão sexual. Ela acredita que a paixão física faz parte do amor e que as mulheres conhecem a experiência do desejo e são capazes de exprimir sua intensidade tanto quanto os homens.
Do século XVI ao XVIII a morte ganha conotação erótica, reunindo sensações de sofrimento, prazer e agonia. Como exemplos temos a expressão de gozo de uma santa no ato de morrer, as torturas e execuções públicas e o “espetáculo” da guilhotina durante a Revolução Francesa.
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O período assiste a florescência da prostituição e da homossexualidade, feminina e masculina, e de todo tipo de perversão. O condom começa a ser usado como contraceptivo, feito de tripa de carneiro ou pele de peixe. (...)
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No final do século XVIII, com o desaparecimento da peste negra, a expectativa de vida da mulher aumenta, podendo atingir 50 anos.

5. A CONVIVÊNCIA SOCIAL E FAMILIAR DA MULHER BRASILEIRA ENTRE OS SÉCULOS XVIII E XIX
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Apesar de o sistema educacional brasileiro ter sido implantado em 1549, com a Companhia de Jesus, os jesuítas só se dedicam ao ensino dos meninos. As mulheres permanecem sem acesso à alfabetização até o século XVIII. Mesmo depois disso, muitos pais julgam desnecessários tais cuidados (Cushnir, 1992).
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A REVOLUÇÃO INDUSTRIAL
No século XIX, com a Revolução Industrial, surgem as máquinas que tornam possível a fabricação de bens de consumo. A energia mecânica substitui a energia muscular, alterando radicalmente as relações do ser humano com o seu trabalho, com o meio ambiente, com os outros e consigo mesmo. A industrialização fortalece o capitalismo, constroem-se as primeiras fábricas, nasce a classe operária ea classe média atinge o apogeu. Burgueses, donos do capital e das novas fábricas, vão substituindo os aristocratas na estrutura do poder. As monarquias sofrem abalos e surgem as novas repúblicas com suas incipientes democracias, como a norte-americana após a independência, em 1776, e a francesa, após a Revolução de 1789.
Até 1884, as únicas mulheres a votar na Inglaterra são as solteiras ou viúvas donas de propriedades, moradoras nas cidades. Até 1914, o maior emprego individual para as mulheres é o serviço doméstico, ea mulher operária é transformada em escrava do salário, malpaga e recebendo menos que o homem pelo mesmo trabalho.
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(...) Em 1871, Darwin afirma que a mulher tem força intelectual inferior e menor capacidade criativa em relação ao homem (Kusnetzoff, 1988).
As camponesas do interior da França no século XIX são um exemplo típico de condição inferior e de submissão ao homem. Dependendo da região, fazem todo o trabalho do lar, ordenham vacas, fazem manteiga e queijo, vão à fonte buscar água, servem o marido à mesa, trabalham nos campos, deitam-se mais tarde e levantam-se mais cedo que os homens. (...)
(...) Assustado com o crescimento populacional, o economista inglês Thomas Robert Malthus propõe o casamento tardio e a continência absoluta, solução que logo se revela irrealista.
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(...) O adultério feminino é punido com pena de reclusão e dá ao marido o direito ao divórcio, enquanto o masculino é sujeito apenas a uma multa. O pai tem sobre os filhos muito mais direitos do que a mãe.
A prostituição é combatida e circunscrita aos bordéis. Paradoxalmente, floresce como nunca. Alguns bordéis são conhecidos por suas especialidades: flagelações, "câmaras de tortura", sodomia, sexo coletivo, mulheres grávidas e outros itens. Surgem as "casas de acomodação" ou maison de rendez-vous, frequentadas por prostitutas e por mulheres casadas que têm encontros com amantes. Nessa época, a jovem se prostitui, em geral, porque precisa de dinheiro para viver bem ou por ser uma operária que precisa de complementação salarial para sobreviver. (...)
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Com a propagação das doenças sexualmente transmissíveis há, nos bordéis, uma crescente demanda por prostitutas virgens, que se supõe serem limpas, ou mesmo que o intercurso com elas efetue a cura dos sifilíticos. Certos bordéis têm seus próprios médicos para o fornecimento dos certificados de virgindade que os clientes costumam pedir. (...)
Em 1885, porém, os bordéis são considerados ilegais ea prostituição organizada passa a constituir crime. No entanto, a prostituição não é erradicada.
A masturbação é combatida como causadora de sérias perturbações físicas e mentais. (...)
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Na pintura, os nus são “vestidos" com folhas de parreira em suas partes genitais e as telas consideradas muito "naturalistas" são retiradas dos museus. Na literatura, no início do século XIX há uma breve voga do "homem fatal" no estilo byroniano, substituído no meio do século pela “mulher fatal”, antítese do “anjo do lar”, dominadora e disposta a destruir o homem amado.

MARXISMO X CAPITALISMO
Em 1848 os alemães Karl Marx e Friedrich Engels publicam o Manifesto comunista denunciando as desigualdades produzidas pela sociedade de classes e concitando os operários do mundo inteiro a se unirem contra a opressão capitalista. Essa conclamação ecoa na Europa por toda a segunda metade do século XIX através de associações de trabalhadores e sindicatos operários.
O marxismo credita a superioridade do homem no casamento ao capitalismo e á supremacia econômica masculina. Os marxistas acreditam que, após a superação do sistema capitalista, surgirá uma nova geração de homens e mulheres livres que criarão suas próprias normas e costumes sexuais, independentemente de situações financeiras e baseadas em afeição, simpatia mútua e desejos individuais (Engels, 1977). Mas, segundo Muraru (1993, p. 131), “Marx não
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consegue ver a especificidade da opressão da mulher e nas poucas vezes que se refere à maior miséria das operárias (levando-as inclusive à prostituição), culpa-as inconscientemente por seus maus princípios morais”. Quanto ao sexo, para Marx e Engels trata-se de assunto particular do indivíduo, e não do Estado.
No mundo capitalista, no mesmo ano de 1848 nasce o primeiro movimento sufragista de mulheres num encontro de mulheres norte-americanas realizado em Seneca, Falls, Estados Unidos. O movimento reivindica a volta da mulher ao domínio público, exigindo a plena cidadania por intermédio do voto, da melhoria da educação feminina e da ampliação dos direitos legais das mulheres. Pouco a pouco a questão feminina vai tomando corpo na luta contra o patriarcado, pela admissão de mulheres nas universidades, por melhores oportunidades de trabalho e para receber a custódia dos filhos em caso de divórcio. Também se juntam à luta pela abolição escravatura americana, às lutas sindicais do movimento operário geral, à luta pela paz. Muitas vezes há conflitos ideológicos entre mulheres de classe média e mulheres operárias. O movimento é fortalecido na segunda metade do século, com a expansão do setor de serviços, que leva ao nascimento de novo tipo de mulheres trabalhadoras, como datilógrafas, telefonistas, secretárias, balconistas e professoras primárias, entre outras.
BRASIL SEC XIX
O Brasil do século XIX apresenta uma classe dominante formada por brancos europeus e classes subordinadas compostas de caboclos, negros e mulatos. As relações sociais e a vida familiar são essencialmente patriarcais. As mulheres ricas vivem reclusas, ocupam-se de bordados ou arranjo de flores, tocam música ou entregam-se à indolência. Apenas em 1879 as instituições de ensino superior se abrem às mulheres, mas a desaprovação social das universitárias é muito grande. Outras mulheres trabalham na agricultura e nas pequenas manufaturas domésticas, contribuindo para o sustento da casa.
O adultério é considerado falta grave e sujeito a várias punições para ambos os sexos, mas a mulher é colocada numa situação jurídica inferior. Mais mulheres movem ações de divórcio que homens, muitas delas denunciando a (...)
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Na impossibilidade de eliminar a prostituição, as autoridades médicas e policiais propõem o seu controle. Ademais, consideram a prostituição um "mal necessário" para a manutenção da estabilidade das famílias e da sociedade.
(...) A prática da prostituição de cativas por seus senhores, por exemplo, é eliminada somente com a Lei Áurea, de 1888, que liberta os escravos.
5. TECNOLOGIA DO SEXO: SABER E PODER
De acordo com Foucault (1990), a partir do final do século XVIII há uma explosão discursiva a propósito de sexo. Os discursos vão dos "ilícitos", indecentes, que denominam o sexo cruamente por insulto ou zombaria, aos discursos dos novos pudores, provocados como reação ao cerceamento das regras de decência. (...)
Para Foucault, emerge uma "tecnologia do sexo" inteiramente nova porque distanciada dos dogmas religiosos. O sexo passa a ser uma questão leiga, um negócio de Estado e um foco de disputa política por intermédio da economia, pedagogia, medicina e direito. (...)
O eixo da economia tem como objetivo a regulação espontânea ou planejada dos nascimentos em razão do crescimento demográfico iniciado no século XVIII. A "população" é vista como questão econômica e política, como mão-de-obra, capacidade de trabalho, produção de riqueza. É necessário analisar as taxas de
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natalidade e mortalidade, alimentação, moradia, , idade do casamento, nascimentos legítimos e ilegítimos, precocidade e periodicidade das relações sexuais, incidência das práticas contraceptivas. Passa-se para um discurso no qual a conduta sexual da população é tomada como objeto de análise, contabilidade, regulação e intervenção. O sexo deve ser administrado e surge a "socialização das condutas de procriação". É uma socialização econômica (medidas para frear a fecundidade dos casais); política (responsabilidade dos casais em relação ao corpo social); e médica (valor patogênico as práticas de controle de natalidade).
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A medicina, terceiro eixo da "tecnologia do sexo", tem como objetivo a fisiologia sexual feminina. O corpo da mulher é analisado, qualificado e desqualificado como corpo integralmente saturado de sexualidade. Esse fenômeno é conhecido como histeria ou ”doença dos nervos”. (...) Na Inglaterra, médicos sustentam que as mudanças nas aspirações femininas representam um perigo para a sociedade, visto que o desenvolvimento do cérebro pode definhar seu útero, tornando-o incapaz de procriar. (...) A função política da histerização da mulher é relativa à sua responsabilidade com a saúde dos filhos, à solidez da instituição familiar e à salvação da sociedade.
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Na primeira metade do século XX, boa parte do mundo estava sob o regime socialista. Os pressupostos marxistas e leninistas são a erradicação da sociedade de classes e a passagem dos meios de produção para toda a coletividade. A condição da mulher nesses países atravessa várias fases. Em 1917, na Rússia (mais tarde União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, URSS), os revolucionários criam leis libertando as mulheres da dominação masculina e obrigando igual pagamento para trabalho similar. O Estado oferece cuidados pré-natais, constrói creches, abole o conceito de filhos ilegítimos e facilita o divórcio. Mas, no final da década de 20, com a ascensão de Josef Stalin ao poder, há uma volta aos valores tradicionais da família e instala-se uma política pró-natalista e uma moral puritana.
No mundo capitalista, a Alemanha nazista é palco da dominação mais extrema da mulher. (...) O partido passa a controlar o domínio privado: arranja os casamentos, dá prêmio às famílias que têm novos filhos homens, proíbe o planejamento familiar, considera o aborto crime sem remissão, facilita o divórcio apenas para os homens, esteriliza as prostitutas e mulheres deficientes, oferece contribuição dos Estado para os casais cuja mulher trabalha fora, para que ela deixe de fazê-lo. Com a iminência da Segunda Guerra Mundial (1939-1945), Hitler incentiva novamente as mulheres a integrar a força de trabalho. Em decorrência da guerra, as mulheres são obrigadas a trabalhar nas fábricas e setores perigosos. Outras vão com as tropas para os países ocupados, com a finalidade de engravidar e doutrinar seus filhos com a ideologia nazista. Constroem-se campos especiais para mulheres solteiras, que são visitadas por homens e, quando engravidam, são transferidas para lares de mães solteiras. (...)
O lançamento da primeira bomba atômica em 1945 inicia a era tecnológica. A energia nuclear muda novamente a relação do ser humano com a natureza. Surgem os antibióticos, a engenharia genética e, nos anos 50, a televisão e o computador.
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No decorrer do século XX, o amor torna-se a base do casamento e do modelo cristão de vida conjugal. Da popularidade de Hollywood nos anos 20 até a influência da televisão, sustenta-se a imagem do casamento como o objetivo natural da mulher, a culminação glamourosa e romântica da sua vida. (...) Estavam arrumadas, impecáveis e dispostas a atender o galã, desde os chinelos até a cama" (Bustos, 1 990, p. 34). O lugar e o destino da mulher estão no lar, não por falta de opções, mas porque precisa devolver o emprego ao marido que está voltando da guerra. E, mais que tudo, a mulher está voluntariamente atada à vida familiar pelo “mágico poder do amor”.
Nessa época, os Estados Unidos tornam-se a primeira potência mundial. A sociedade produtiva passa a ser uma sociedade de consumo.
Na passagem para o século XX, o sexólogo Havelock Ellis desenvolve importantes estudos sobre as diferenças sexuais em diversas culturas. Ao observar, por exemplo, o decoro em várias culturas, mostra que ele está mais presente em povos primitivos do que nos desenvolvidos, e prevalece entre indivíduos de classe baixa. Mais tarde, Ellis diz também que, embora "não saibamos exatamente o que é o sexo, [...] sabemos sim, que ele é instável, que existe a possibilidade de um sexo se transformar no outro, que suas fronteiras muitas vezes variam e que existem muitos estágios entre o extremo masculino e o extremo feminino" (Ellis, 1933, p. 225).
A partir de 1938, o americano Alfred C. Kinsey e colaboradores realizam pesquisas sobre sexo na população americana e publicam seus primeiros e controversos relatórios. Kinsey define a sexualidade como uma função biológica normal, aceitável sob qualquer forma em que se apresente, e demonstra que um grande número de mulheres norte-americanas não conhece o orgasmo ou está profundamente insatisfeita (Kinskey e outros, 1953).
No início da década de 50, um ex-soldado americano, George Jorgesen, faz cirurgia em Copenhague e muda de sexo, tornando-se uma dona de casa chamada Christine Jorgesen. Na primeira metade do século a luta das sufragistas continua, conquistando o direito de voto em cada país.
No mundo comunista, depois da Segunda Guerra Mundial, a condição das mulheres piora. Têm agora dupla jornada de trabalho. A maioria delas
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trabalha em serviços pesados e somente uma minoria torna-se especializada em ciências e técnicas. Durante as décadas seguintes, a situação dessas mulheres começa a melhorar. A União Soviética torna-se a segunda potência do mundo.
Em Paris, em 1949, a escritora francesa Simone de Beauvoir lança o livro O segundo sexo, o primeiro estudo consistente da mulher sob o patriarcado. Nos Estados Unidos, na década de 50, surge o movimento beatnik, como reação ao puritanismo repressor da sociedade americana.
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Até a década de 60 ocorre uma discriminação muito forte entre os universos masculino e feminino dos jovens. Nos bairros tradicionalmente populares de Paris, por exemplo, a diferenciação dos papéis e das atitudes sexuais dos jovens se faz em torno da contraposição exterior/interior. Aos rapazes cabe tudo o que é exterior. A partir dos 12, 13 anos, os jovens vivem a maior parte do tempo na rua e praticam masturbação coletiva. Mais tarde, podem encontrar no bairro uma mulher mais velha que se encarrega de iniciá-los sexualmente. Mais raramente, todos os membros da turma, estupram uma “moça fácil”. Já homens, continuam a demonstrar um desprezo por sua vida familiar, agora composta de esposa e filhos. Em contrapartida, às moças cabe tudo o que é interior. Desde cedo aprendem a administrar uma casa e cuidam dos irmãos. As adolescentes já saem para o pátio do prédio ou para fazer visitas a familiares ou amigos. Quando mais velhas, ficam noivas e têm a missão de fazer com que os noivos abandonem a "vida de rua" e procurem um emprego estável. A fase posterior é o casamento , que ocorre geralmente quando nasce um filho. No universo doméstico, o homem é o primeiro a ser servido, mas nem por isso tem muita voz ativa. Além da mulher que reina na casa, há outros tipos de mulher, como a “mina” ou a “gatinha” que é roubada dos colegas à saída do colégio, ou aquela que é paquerada no cinema, nos bailes ou nos cafés; a “gorda”, que é simples objeto sexual, (...)

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